Sendo criança, sempre!

 

Para chegarmos a EMEIEF Cassiana dos Santos Moreira, localizada no Bairro Alvarengas, saímos da cidade de Lagoinha pela Rodovia Nelson Pereira Pinto e, poucos quilômetros depois, pegamos a Estrada Municipal dos Alvarengas, uma estrada de terra tão bonita quanto todas as outras da região. Tem sido um vislumbre transitar por essas estradas cercadas por árvores de várias espécies e frequentes touceiras de margaridão amarelo (Tithonia diversifolia) de rara exuberância, principalmente porque faz um belo contraste entre o amarelo vibrante e o verde em seus vários tons nas onduladas montanhas.

Eu poderia ficar falando das histórias que contei, das falas, das caras e bocas (expressão que adoro!), do estranhamento com os sons que produzo através de instrumentos de percussão, da alegria das crianças com as descobertas dos brinquedos desconhecidos na região. Tudo isso seria dito com riqueza de detalhes, como costumo fazer, se a continuidade da contação de histórias não tivesse desembocado em um intervalo tão expressivo e envolvente: na música que se ouvia por toda a escola, no cheiro da comida, nas brincadeiras, na alegria das crianças, nos elementos envolvidos no brincar, na ávida exploração da caixa de brinquedos que levamos e no tatear, por crianças e adultos, ora de forma frenética, ora tentando decifrar, o pau de chuva e sua sonoridade, colocando-o bem junto ao ouvido.

Rapidamente passei do lugar de contadora de histórias para o de criança que quer brincar com tudo e com todas. No meu caso, prolongar essa experiência de ser criança que me apropriei na contação de histórias, na busca de viver tudo o que aquelas crianças estavam me mostrando, me oferecendo, me convidando. A música colocada no pátio onde as crianças brincavam deixou o ambiente mais convidativo ainda, embalando interiormente o desejo de balançar o corpo e o fazendo praticamente de forma automática.

Enquanto algumas pessoas exploravam a caixa de brinquedos para descobertas e redescobertas de objetos diversos, eu me aventurava em pular corda. Isso mesmo! Pular corda! Claro que em meu ritmo, e com a paciência das crianças que, além de generosas, curtiram muito.

Uma corda balançada no compasso possível das minhas pernas e dos meus sonhos, daqueles sonhos que me embalam no desejo de novas descobertas e me impulsiona no desvelar de velhas e afetivas memórias sem esquecer de que carrego um corpo pesado que não acompanha a pressa do “foguinho”, (corda balançada de forma extremamente rápida) que as crianças fazem sem muito esforço e, às vezes, pedindo para baterem a corda ainda mais rápido. Consegui entrar com a corda em movimento, reconheço que me resta alguma habilidade, isso me anima. Pulo balançando os braços mais que o necessário é como se dependesse deles para voar naquele tempo e espaço que recupero e me aposso. As crianças vibram, aplaudem me incentivam e não percebem o esforço que faço, miram apenas meus movimentos e meu sorriso, meus braços e o compasso ainda certeiro da batida da corda no chão enquanto meus pés fogem dele num voo rasante o suficiente apenas para não tropeçar.

Alguns minutos depois, que para mim pareceu uma eternidade, o tempo, o corpo pesado, a falta de treino, os muitos anos de trabalho e as crianças ao redor dando piruetas e se contorcendo em agilidades e frescor em contraste com a contagem regressiva de minha energia e disposição, o cansaço bate e minhas pernas começam a me desobedecer, tiro das entranhas as últimas forças necessárias para sair da corda, assim como entrei, com ela em movimento.

Sem medo e sem pudor, me deliciei em uma escancarada gargalhada revelando toda minha felicidade por estar ali podendo ser a criança que nunca deixei de ser, Junto a tantas outras que me apoiando e me aplaudindo não imaginavam o desafio que eu acabara de enfrentar, assumindo e constatando, principalmente para mim mesma, que a infância não acaba quando a idade avança, a infância acaba quando a gente para de se divertir com o miudinho da vida, com as coisas mais simples e inesperadas, com o inusitado, com a capacidade de sonhar e de tentar.

Viva a infância e suas deliciosas possibilidades de se colocar no mundo!

 

Socorro Lacerda de Lacerda

4 comentários em “Sendo criança, sempre!”

  1. Toda sua doação na realização deste trabalho tem um lado de auto satisfação incrível, vejo que toda descrição feita por você traz no fundo uma alegria muito grande, tão grande quanto da criança que lhe assiste. É uma troca deliciosamente bela. Bj

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    • Verdade Elza, o que trago comigo é muito mais do que o que deixo, é uma troca extraordinária, uma intensa experiência de partilha de saberes e quereres que muito me alimenta e me permite esperançar das mais diversa maneiras.
      Obrigada e um abraço!

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  2. Parabéns! Belíssimo trabalho . Cada criança levará consigo o encantamento de cada história e o vislumbre de cada toque . Socorro Lacerda ,seu trabalho está entre braços e abraços, deixando em cada criança o despertar da leitura para o engrandecimento do ser .

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