Escola Municipal de Ensino Fundamental Arlindo Batista Palitot

Montevidéo é o nome de um distrito da cidade de Conceição-PB. Sempre ouvi falar nesse lugar e, talvez pelo nome ser também de uma cidade de um país vizinho ao Brasil, me causou fascínio e vontade de conhecer. Antes do nosso projeto não tive a oportunidade e agora, após a dificuldade de agendamento e a superação dos percalços, fiquei muito animada para chegar até lá. Valeu a pena!

Fomos a tarde e estávamos sendo aguardados. Fomos recebidos com alegria e logo me senti a vontade, não parecia que pessoas, antes tão distantes e inacessíveis, fossem agora tão amigáveis. Uma boa surpresa e um desprendimento meu que já havia passado tudo “a limpo” e estava pronta para trabalhar, ouvir, contar, ler, observar e inventar histórias. Eu estava me sentindo leve, disposta e feliz.

Antes de começarmos nossa contação de histórias percebemos que as crianças já nos esperavam organizadas na sala de aula, prontas para nos receber. As cadeiras e carteiras estavam recuadas de modo a deixar um grande espaço ao lado da parede onde fica a lousa. Espaço ideal para nos organizarmos e espalharmos nossos “cacarecos”. Lucio se antecipou nessa organização com a ajuda de algumas crianças, enquanto eu ia conversando com os adultos que estavam no pátio da escola e queriam me perguntar sobre o projeto, me falar de como estavam contentes por estarmos ali, me mostrar espaços da escola e nos falar da reforma pela qual a escola havia passado recentemente.

A EMEIF Arlindo Batista Palitot está localizada a trinta quilômetros da sede do município de Conceição – PB. No mesmo lugar onde hoje ela está situada havia uma escola que funcionava em um “pequeno prédio construído no ano de 1951, em um terreno doado por Arlindo Batista Palitot e Maria Ferreira Ramalho Palitot, descendentes dos fundadores do distrito. Inicialmente a escola chamava-se Escola de Bom Jesus. Em 1985 a escola passa-se a chamar Escola Arlindo Batista Palitot em homenagem ao doador do terreno. Pelas condições precárias que estava o prédio, a administração municipal, no ano de 2017 resolveu investir em um novo prédio que desse aos alunos e funcionários mais conforto e condições adequadas de permanência em suas dependências no decorrer do período em que o espaço é utilizado. Entretanto, não houve uma preocupação em reformar o antigo prédio para garantir que a história de sua construção e as pessoas envolvidas fossem valorizadas como pioneiras da educação em um espaço e tempo onde a carência de escolas era muito maior que hoje em dia. Certamente há motivos para a não reforma que eu, alheia as questões burocráticas, não compreenda, entretanto como amante de uma boa história real ou fictícia e da própria história construída por homens e mulheres ao longo do tempo, penso ser extremamente importante a preservação da história material e imaterial de cada canto onde houve o empenho de pessoas que em seu tempo deixaram marcas como resultados de suas lutas e resistências. Sempre me questiono: – Para modernizar ou adequar algo ao presente é preciso realmente destruir ou abrir mão do passado?

Questões históricas a parte, nossa chegada a escola foi de um acolhimento singular. Foram muitas as manifestações de carinho. E o mal estar dos diálogos equivocados no decorrer do processo de agendamento para virmos a escola, já havia se dissipado.

Enquanto conversava com as pessoas, ainda no pátio da escola, uma tímida e simpática senhora se aproximou de mim e falou com voz meiga e tranquila que depois que terminássemos de contar as histórias precisava falar comigo. A correria para não deixar as crianças esperarem mais do que o necessário me fez esquecer momentaneamente aquela senhora e seu jeito manso de dizer que “precisava falar comigo.”

No decorrer do nosso trabalho, em uma sala iluminada por janelas de vidros, porta aberta e um piso claro e limpo, as histórias foram fluindo com muita naturalidade e as crianças foram se aproximando do tapete, onde eu estava, até chegar um momento em que eles não estavam mais a minha frente e sim ao meu redor. A partir desse momento as histórias iam sendo contadas, enquanto eu passeava pela sala não mais para reconhecer aquele espaço, mas para circular nele como se fosse a sala da minha casa ou aquele quintal de frequentes lembranças. Dizer que estava me sentindo em casa, não era modo de dizer, era a pura sensação de movimentar-me, olhar o outro, se deixar ser olhado, tocado, abraçado como em um lugar onde só pessoas próximas ou familiares tem essa intimidade ou necessidade de demonstrar carinho e desejar que esse carinho seja reconhecido.

Autoridades ou não, funcionários ou não, os adultos se misturaram as crianças para também ouvir as histórias e manifestarem suas sensações e emoções que me permitiam numa troca simbiótica do que eu também sentia. Essa troca só é possível quando a harmonia se estabelece e a liberdade se instala. Liberdade de poder chegar, falar e ser compreendida. De superar mal entendidos gerados fora do espaço onde se está e fazer essa liberdade chegar até onde esses mal entendidos possam ser desfeitos para se refazerem diferente do que poderia ter sido. Essa fala, talvez contraditória ao início do texto explica-se pelo fato da dificuldade de comunicação que tivemos para chegar até o município de Conceição/Pb. Porém, em nenhum momento permiti que questões de “bastidores” interferissem em meu trabalho e em meu modo de ver alunos e alunas como primordial, não apenas para o funcionamento das escolas, mas muito especialmente como fundamental para o estabelecimento de relações interpessoais respeitosas e verdadeiras. O aluno merece que, diante dele e para ele, estejamos inteiras, conscientes do nosso trabalho como forma de mostrar possibilidades para que possam extrapolar seus limites físicos, mentais e territoriais em busca dos seus sonhos e de uma vida melhor. Apenas a escola não basta para essa descoberta do que somos e do que desejamos ser, mas é ela primordialmente, pela sua função social e formação intelectual que deve abrir as portas para que seus frequentadores consigam ter um melhor entendimento do mundo onde vivem e da necessidade de se manterem firmes em busca de uma sociedade mais justa. Essa minha forma de pensar também foi encontrada em educadores e educadoras com os quais me deparei ao longo dessa viagem. Isso também muito me alegrou.

E aquela senhora que queria falar comigo depois que eu terminasse de contar as histórias? Agora havia lembrado dela e novamente fui invadida pela curiosidade de saber quem era e o que tinha para me dizer.
Não demorou muito e ela apareceu, tranquila como fora anteriormente, com um pacote entre as mãos e uma fala emocionada:

– Sou tia de Fátima Ramalho. Você lembra dela?

Embora não a conhecesse pessoalmente Fátima Ramalho, havíamos desenvolvido uma amizade virtual que muito me fortaleceu no decorrer e desenvolvimento do projeto. Seus comentários no blog contelaqueeucontoca.com.br, sempre foram extremamente simpáticos e animadores, me motivaram a continuar, me fizeram querer ser melhor.

A senhora continuou:

– Ela pediu para lhe falar que admira muito seu trabalho e que infelizmente não pode estar aqui para lhe ouvir e lhe cumprimentar. Por isso, ela me pediu para lhe entregar “isso”.
Segurei aquele pacote bastante emocionada pelas palavras que acabara de ouvir e pensei; Puxa vida, essa tal de internet é mesmo capaz de provocar emoção, estreitar laços, materializar respeito e admiração independente do lugar e da forma como isso se dê.

Não me contive e abri o presente ali mesmo. Era dois queijos coalho fresquinhos e convidativos para um belo lanche. Quanta generosidade, quanta delicadeza. Presentear alimento é um gesto extremamente significativo da importância do que se dá e para quem se dá. Na Paraíba e certamente em muitas outras partes do nordeste, quando recebemos alguém em nossa casa a primeira demonstração de uma boa recepção é oferecendo-lhe um bom e farto alimento. É na hora do lanche, nos arredores da mesa que as conversas ficam mais animadas e descontraídas, os afetos vão sendo demonstrados e o alimento torna-se um elemento fundamental para a confraternização e o estreitamento de vínculos. “A alimentação, além de uma necessidade biológica, é um complexo sistema simbólico de significados sociais, sexuais, políticos, religiosos, éticos, estéticos etc.” (Carneiro, 203). Além disso, preparar a comida que alimentará o convidado é uma forma extremamente prazerosa de dizer que o amigo ou amiga é bem-vindo. Por isso, acredito que não foi por acaso que o presente escolhido para me ser enviado foi o queijo, o alimento, o elemento agregador e vital.

Agora eu via Fátima tão próxima a mim como aquela senhora e aquele presente como demonstração do carinho mais genuíno.

Mais que nunca, saí dali compreendendo que é justamente na simplicidade das coisas, dos atos, da demonstração de afeto e cuidado que grandes transformações podem acontecer. Transformação no jeito de ver as pessoas a sua volta e, por que não, aquelas que ainda são virtuais, como responsabilidade sua, do que você diz e do que você cala como exemplo do que você quer que seja ou que se transforme essa sociedade tão desigual e suas posturas incoerentes.

Não foi apenas aquele alimento que me fortaleceu naquele dia e nos próximos, foi na verdade a delicadeza e o carinho com que ele e todos os sorrisos e abraços se manifestaram para me dizer que é no contato com gente de verdade que crescemos, nos fortalecemos seguimos confiantes em busca da realização dos nossos sonhos.

Obrigada a todos e um grande abraço!

Socorro Lacerda de Lacerda

4 comentários em “Escola Municipal de Ensino Fundamental Arlindo Batista Palitot

  1. Cada história linda e emocionante vivida por você, minha amiga!
    Com certeza numca mais será a mesma e quanto ganho com esses laços de afeto, dinheiro nenhum é capaz de pagar!

    1. Realmente, minha linda! Esse projeto tem me enchido de alegria e contentamento. As histórias que ouvi e vivi são carregadas de amor e aprendizado.
      Obrigada pelo carinho.

    1. É nessa educação que acredito: educadores se colocando por inteiro nas coisas que fazem. Acreditando nas possibilidades de fazer uma educação humana e coerente.
      Obrigada pelo seu comentário, isso é muito importante para mim.

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