Uma História sendo recontada

Bruxa, Bruxa, venha a minha festa!, de Arden Druce é uma história que venho contando desde a primeira etapa do projeto “Conte lá que eu conto cá”. Acredito que seja porque, além de divertida e colorida, é possível contá-la fazendo uma interação entre as crianças, principalmente no final da história. O personagem, após convidar animais e seres fantásticos para sua festa de aniversário, convida as crianças que devem convidar outra pessoa e assim sucessivamente. A história termina em uma verdadeira festa. Na cidade de Bandeira não foi diferente, a história foi contada e as crianças adoraram.

No fim do dia voltamos para a pousada onde estávamos hospedados e o cansaço tomou conta de nós. Apesar de cansados, fazer comentários sobre as escolas, as contações, as crianças etc. é inevitável, pois geralmente vivemos em cada escola particularidades e descobertas únicas. Embora algumas seções tenham as mesmas histórias, crianças e espaços diferentes provocam um contar especial impossível de ser repetido em outras experiências.

A noite chegou, mas o cansaço não foi embora e, sem a menor cerimônia, pedi ao Lucio que fosse pegar alguma coisa para eu comer ali mesmo, no quarto. Ele também estava exausto, porém, como companheiro fiel, disposto e incansável não se negou e saiu para tentar encontrar algo. Como ele sabe que eu gosto de tapioca, resolveu levar uma para mim. A tapioca era feita na sorveteria, essas coisas extraordinárias que só acontecem em cidades pequenas, é, também, em cidade pequena que se torna possível ir em casa tomar banho e voltar rapidinho, o freguês espera. Enquanto esperava, Lucio sentou-se em um dos bancos da pracinha e ficou olhando a movimentação das pessoas que passavam e muito frequentemente paravam para conversar com quem iam encontrando, inclusive com ele. É importante falar que as pessoas da cidade de Bandeira são extremamente receptivas.

Nesse esperar, de forma surpreendente, ele ouviu alguém falando de forma enfática: “Bruxa, bruxa, venha a minha festa!”. Ouvir aquilo na pracinha da cidade lhe causou um certo estranhamento, impossível não ficar curioso para saber de onde vinha aquela fala. Não precisou procurar muito, ao virar-se para trás viu um grupo de crianças sentada no chão, ouvindo atentamente a Yasmim – uma criança que estuda em uma das escolas em que fizemos uma contação – contar a história numa reprodução do que ouvira anteriormente.

Ao voltar para a pousada, Lucio chegou eufórico e feliz, não via a hora de me contar o que acabara de assistir. Compartilhamos esse momento com uma alegria imensa, a história que contamos estava sendo reproduzida de uma criança para outras que não a ouviram, numa cidade onde crianças ainda brincam na rua e a pracinha ainda serve de espaço para se contar histórias em brincadeiras que dispensam equipamentos eletrônicos.

Talvez vocês achem pouco, mas para nós aquela cena já fazia valer a viagem. Embora acreditemos que de alguma forma os momentos que passamos nas escolas ficarão na memória de alguém que estava naquele momento conosco, nunca havíamos presenciado exemplo tão belo. Não é para se encher de orgulho e desejar que o dia amanheça rapidinho para continuar nossa viagem?

A felicidade do Lucio era tão grande por ter presenciado o momento, que Yasmim, de forma espontânea e sem a menor pretensão de nos mostrar nada, lhe presenteou.

Depois desse dia, não permiti que o cansaço me fizesse ficar na pousada sozinha. Sair era viver a possibilidade de, inesperadamente, se deparar com fragmentos do que compartilhamos das histórias que contávamos, dos momentos que vivíamos. Isso não é pouco.

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Conte Lá Que Eu Conto Cá
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