Ressignificando espaços e sonhos.

Conheci a professora Silvana, que trabalha na EMEIEF João Pereira Lopes, no Bairro do Pamonã, por acaso, quando comprava papeis para dobradura em um bazar na cidade de São Luís do Paraitinga-SP. Estávamos de costas uma para a outra quando ela me ouviu falar sobre contação de histórias. Ela se virou para mim e perguntou … Ler mais

Seu João e sua doce Esperança na Comunidade Quilombola Sapatu

  Seu João nos recebeu com o sorriso banguela mais simpático que já vi. Ele ri com a boca e com os olhos, que brilham de contentamento por nos receber, embora nunca tenha nos visto. Levantando-se do estreito e gasto banco de madeira onde estava sentado, abre os braços num abraço caloroso como se estivesse … Ler mais

CMEI Mariana Lopes de Oliveira Siqueira, uma experiência encantadora

CMEI, uma experiência encantadora

 

Uma escola pequena, aconchegante e colorida. A luz do sol penetra facilmente em todos os espaços. Brinquedos estrategicamente espalhados pelos diversos espaços da escola fazem a alegria da criançada: casinhas, balanço, gangorra, cavalinhos que, ao menor impulso provocam um movimento para frente e para trás, piscina de bolinhas, tatames coloridos espalhados pelo chão do pátio, convidando as pessoas a sentarem e descobrirem o que estava para acontecer ali.

Não eram muitas crianças, mas eram encantadoras, sorridentes, curiosas, se jogando dos braços e dos carrinhos na tentativa de pegar tanta coisa colorida que ia saindo daquela mala estranha. As professoras iam chegando carinhosamente, de mãos dadas com as crianças, carregando-as no colo ou empurrando carrinhos para chegarem bem perto de onde estávamos. Ao mesmo tempo que, junto ao Lucio, eu ia organizando o material que usaríamos, ia também olhando a carinha de cada criança e de cada adulto que carinhosamente cuidava delas. Foi um momento encantador. Chupetas, paninhos, fraldas e alguns resmungos e choros fizeram parte da “trilha sonora” de “Bruxa, bruxa, venha a minha festa!” e “O lobo que queria mudar de cor”, as histórias mais curtidas.

O som dos instrumentos que eu apresentava, no intervalo das histórias, quase sempre provocava olhos arregalados e gritinhos, como expressão de surpresa pela diversidade de movimento, cor, material e forma com que cada um se diferenciava do outro. Um espetáculo!

No breve tempo que ficamos na escola, experimentamos diversas sensações e sentimentos que nos acompanharam caminho afora, entre escolas e entre cidades. Porém, nada nos deixou mais admirados e surpresos quanto a forma contundente que uma criança defendeu sua ideia de que o amor era vermelho. Antes de começar a contar a história “Qual é a cor do amor”, de Linda Strachan, perguntei se alguém sabia qual era a cor do amor. Desde o início uma criança respondeu de forma enfática que o amor era vermelho. No final da história, quando a conclusão é de que o amor pode ser de qualquer uma das cores, ou de todas as cores juntas, fui conversar com a criança que continuava insistindo que o amor era vermelho.

– O amor não pode ser de outra cor além do vermelho?

– Não! O amor é vermelho porque o sangue é vermelho.

Procurei não o interromper e ele olhando para mim de forma segura e convincente continuou:

– O sangue é vermelho e leva o oxigênio para o coração, e lá está o amor, então, o coração é vida e o cérebro é espertança.

Depois desse breve diálogo, minha vontade era de contar para todo mundo que eu aprendera uma palavra nova com uma criança pequena que eu acabara de conhecer. Não era uma palavra qualquer, era uma palavra que passou a representar, para mim, a expressão mais assertiva e poética para o desvelamento de algo que nem sempre pode ser desvelado.

Com toda a minha recém adquirida espertança, agradeço grandemente a todas as pessoas da CMEI Mariana Lopes de Oliveira Siqueira, especialmente às crianças, por terem me ensinado tanto.

 

Socorro Lacerda de Lacerda

Generosidade! Essa é a palavra

 

 

Uma quadra coberta e espaçosa foi o lugar que utilizamos para contar histórias na cidade de Palmópolis – MG. Concentradas nesse local, as escolas EM Cecília Meireles e Pré Escola Pequeno Notável foram divididas em seis grupos para as seis sessões anteriormente agendadas. As sessões aconteceram nos dias 25 e 26 de outubro, nos períodos vespertino e matutino.

Apesar de ter sido contações intensas e numerosas não houve cansaço ou desânimo. Cada turma que chegava trazia, em sua agitação inicial e correria para ficar nos lugares da frente (embora sentadas no piso rústico da quadra), uma energia que se renovava cada vez que as turmas iam se alternando. Com as crianças, chegavam também professoras, professores e educadores em geral, animados, igualmente curiosos, atenciosos, dispostos a organizar as turmas, fazer companhia às crianças e ouvir as histórias com a mesma atenção e respeito com que as crianças também ouviam. Ouso dizer que crianças eram todas as pessoas que estavam ali, inclusive nós que tentávamos contar as histórias como se fosse a primeira vez.

Com a preocupação de acompanhar as várias turmas de crianças e garantir que tudo desse certo com cada uma delas, os educadores assistiram muitas vezes a contação da mesma história. Porém, nas observações que costumo fazer da reação das pessoas para que costumam assistir, não vi cansaço ou desânimo nessas repetições. A busca de novas versões para a mesma história, novos gestos em verdadeiras dramatizações, elementos sendo acrescentados ou reduzidos, ênfase nas falas de alguns personagens, improvisações, tudo era motivo para que as histórias ganhassem novas nuances que ouvidos atentos e olhos curiosos reconheciam como diferentes. Um desafio que se tornou uma gostosa brincadeira entre eu e os ouvintes.

Na maioria das contações de histórias, ao terminarmos a apresentação, as crianças desejam conhecer os brinquedos ou adereços utilizados, brincar, manipular, observar para descobrir como eram feitos os brinquedos artesanais e contar suas próprias histórias usando os mesmos objetos que acabaram de ser usados por mim. Em Palmópolis, essa ordem se inverteu. O manuseio de objetos foi trocado pelo chegar perto, abraçar, querer saber um pouco mais sobre nós, tocar nas roupas coloridas e fazer verdadeiras cirandas entre abraços carregados de movimentos e a chegada de mais gente formando uma massa de carinho e de gratidão que eu ainda não havia experimentado. Calor humano, respeito mútuo, generosidade. Isso mesmo! Generosidade foi a palavra materializada nos gestos de quem, no abraço ou no olhar, se sentia juntinho uns dos outros.  Abraços revestidos do contraste entre proximidade e distância como se o espaço físico se diluísse em um tempo que não pretendia ser consumido pela buzina do ônibus que os esperava nem pelo som da campainha indicando que o tempo do faz de conta havia chegado ao fim.

Em Palmópolis não foi aula, não foi contação de histórias em que um conta e o outro ouve, onde um ensina e o outro aprende, foi encontro de saberes, de quereres, de aprender mútuo e genuíno sem a preocupação dos rigores que a escola pensa ser fundamental para a aprendizagem. Ensinei e aprendi que no gesto se constrói o respeito, no ouvir percebe-se o compartilhar dos saberes, no falar se divulga o aprendido, os vários odores que aquela gente e aquele espaço exalavam impregnavam meus sentidos de “sentido” sobre o que fazíamos ali, dos valores que experimentávamos, da importância de conhecer gente e se fazer gente, na grandiosidade de, depois do abraço, não sermos mais os mesmos, principalmente porque todos nós perdemos o medo de experimentar o novo e por isso mesmo aprendemos a lidar com ele.

Ao sair do encontro com pessoas tão especiais, trouxe comigo a bem aventurança de sermos humanos, o exemplo da disposição e disponibilidade de educadores e educadoras que acreditam no que fazem e arregaçam as mangas para realizar o que acreditam, para deixar suas marcas impressas nas memórias que estão sendo construídas em crianças e adolescentes que se espelham nesses educadores e educadoras para continuarem querendo ser muito mais do que essa sociedade injusta parece lhes oferecer ou reservar.

Em Palmópolis, a grandiosidade do ensinar e do aprender está no olhar atento de quem os acompanha nas saídas e chegadas à escola, nos intervalos entre aulas, na fila para pegar o lanche, nos momentos de brincadeiras do recreio, na espera pela atividade “diferente” daquela do cotidiano em que o descarregar de materiais estranhos vai ganhando forma em uma colcha de retalhos e uma mala que, quando aberta, pode fazer sair de dentro dela a simplicidade de uma semente que nunca germinará porque fora queimada, ou um lobo insatisfeito com sua aparência e querendo  mudar de cor para depois descobrir que o bom mesmo é ser apenas lobo.

Bom mesmo foi ter tido a oportunidade de conhecer aquelas pessoas que com seu olhar atento aguçam os nossos olhares para reconhecermos que somos importantes no que fazemos e, como o lobo nos ensina, ser quem a gente é: “é o  maior barato”.

Obrigada a todas as pessoas que nos rodearam e nos abraçaram, que nos fizeram ensinar e aprender de uma forma tão bela, que nos deram o carinho que tanto precisamos para seguir contando as nossas histórias e acreditando que, dessa forma, deixamos por onde passamos a nossa esperança em ver devidamente valorizada a escola enquanto espaço com múltiplas possibilidades e levamos conosco o sentido da dialeticidade do aprender e do ensinar como prática construtora do saber com seus sujeitos em movimento e humanizados.

Poderia ter sido mais uma contação de histórias como as muitas outras que já fizemos no decorrer do nosso projeto. Se assim fosse, experimentaríamos alegrias infindas, recepções calorosas, ia parecer tudo muito óbvio, porém, como diz Paulo Freire: “A experiência nos ensina que nem todo óbvio é tão óbvio quanto parece”.

Obrigada e contem sempre conosco.

 

Socorro Lacerda e Lucio Lacerda

Conte Lá Que Eu Conto Cá
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