EMEF Boa Esperança – Eldorado/SP

A travessia do rio foi o início do deslumbre para um encontro tão mágico. Atravessar o Rio Ribeira do Iguape em uma balsa deslisando lentamente por suas águas barrentas me levou a pensar sobre o que encontraríamos na outra margem do rio. Depois da travessia, num misto de expectativa e otimismo encontramos quem nos indicasse … Ler mais

EMEIF Bairro São Pedro – Escola Quilombola – Eldorado/SP

A curiosidade das crianças tomou conta dos seus corpos como uma comichão, deixando-as muito inquietas. Logo saíram dos lugares onde estavam sentadas e foram, rastejando discretamente, até beirar a colcha de retalhos onde estavam dispostos alguns objetos que eu costumo usar nas contações de histórias.

A sensação que tive foi a de que tocar os objetos, explorar seus sons e espiar suas cores, era mais interessante do que ouvir a história que eu começara a contar. Essa impressão só se desfazia quando a voz de algum personagem se destacava da narrativa e saltava para o espaço composto por tantas novidades.

Não demorou muito para eu perceber que a inquietação que demonstravam era excesso de desejo de usufruir do novo, do que estava posto naquele canto de sala e se misturava ao que imaginavam ser cada um daqueles objetos. Queriam ouvir as histórias, mas também queriam soprar o apito, girar o pião, folhear os livros, olhar encantados o movimento do traca traca e a magia do surgimento das cores da dobradura de papel. Tudo ao mesmo tempo, como se não houvesse tempo suficiente para tanta coisa e para a exploração de cada um dos objetos e brinquedos que viam, alguns deles, pela primeira vez.

No final da contação, foi inevitável o início da exploração de um mundo com infinitas possibilidades. A criação e recriação do brinquedo e da brincadeira tornou-se indicativo para a invenção de novas e necessárias histórias, emolduradas por uma colcha de retalhos que não estava ali por acaso.

Socorro Lacerda de Lacerda

Quilombo Ivaporunduva 

A EMEI Bairro Ivaporunduva fica no Quilombo de mesmo nome. É muito simples: duas salas, uma cozinha, banheiros e uma pequena sala com estantes onde livros estão colocados de forma desordenada. Bem que pode ser um espaço de leitura, se feita a devida organização para isso.  

Nossa chegada causou curiosidade, embora as crianças se revelassem tímidas e arredias. Não se aproximaram muito, a distância que mantiveram de nós foi suficiente para me inquietar e fazer aguardar o início da contação para saber como se comportariam. Gosto quando participam, perguntam, indagam sobre os objetos que usamos ou questionam o final da história. Estava desejosa de que isso acontecesse. 

Comecei a contação um pouco tímida, sem desenvoltura, tateando as palavras, manuseando objetos, expondo instrumentos sonoros. A impressão que eu tinha é de que eu não estava agradando, as crianças não se envolviam. 

Enquanto isso, o gato Cristiano Ronaldo passeava livre e imponente por todos os espaços da escola, ora na sala onde estávamos, ora na cozinha ou no pátio, roçando em minhas costas, pulando na colcha de retalhos, em cima da mesa ou no colo de alguma criança.  

Em minha tentativa de chamar a atenção, peguei um pião de papel colorido que eu havia feito anteriormente e girei no chão. A mágica aconteceu, as crianças impulsionaram o corpo para frente e arregalaram os olhos querendo saber do que era feito o pião. Porém, é Cristiano Ronaldo quem se joga em cima do pião e com suas patas ariscas tenta pará-lo, provocar a interrupção do movimento que chamara sua atenção. É a partir da travessura e ousadia do Cristiano que as crianças se sentem impulsionadas a também se jogarem para, segundo elas, impedir que o gato destrua o pião e acabe com a brincadeira. A partir daí, elas entram nas histórias transformando o espaço em um lugar de brincadeiras e descobertas. 

Terá sido o Cristiano Ronaldo apenas o pretexto para as crianças se libertarem da aparente timidez? Se foi, bendito seja o Cristiano Ronaldo! 

 

 

Coquita Lacerda 

 

 

Virgínia-MG: surpresas e encontros

Para chegarmos à cidade de Virgínia – MG, seguimos por uma rodovia, como todas as outras da região, muito sinuosa, o que não esperávamos é que percorreríamos aproximadamente 30 km de estrada de terra e isso nos fez atrasar a viagem em muito mais tempo do que desejávamos. Porém, a surpresa e irritação que experimentamos pela lentidão com que tínhamos que fazer o trajeto devido às condições da estrada, foi recompensada quando ouvimos um barulho de água corrente muito próximo de nós. O que inicialmente nomeei como barulho foi substituído por uma sonoridade que nos transmitiu calmaria e encantamento. Os respingos que atingiam nossos corpos o faziam de forma sensível e refrescante, o farol do carro era tudo o que tínhamos para iluminar aquele lugar e nos revelar a exuberante cachoeira que despontava de dentro da mata. Mais que vê-la, senti a necessidade de ouvi-la, fechei os olhos, deixei que as gotículas de água tocassem meu corpo, respirei fundo e me deixei levar por aquela sensação de plenitude e êxtase. Havia chegado em Virgínia e, a partir dali, reconheci que Virginia também havia chegado em nós.

Na manhã seguinte sentimos que o frio era muito intenso e que o lugar para onde iríamos era mais distante do que pensávamos. Nada que nos desanimasse. A primeira escola foi a EM José Gonçalves Sobrinho, no povoado da Vargem Alegre. Uma escola pequena, aconchegante, com pessoas acolhedoras e simpáticas. Uma sala de aula foi suficiente para juntarmos todas as crianças e fazermos a contação de histórias. Olhos brilhantes e curiosos acompanharam cada uma das falas ou expressões dos personagens que iam sendo apresentados, as cores, os movimentos e os sons eram valorizados e aguardados para serem tocados, reproduzidos, compartilhados.

Outras escolas se seguiram: EM José Ricardo Neto (povoados de Morangal e Marques), EM Profª Leonor Ferreira Porto (povoado São José da Mantiqueira – Gorda), EM Professora Maria José de Souza Bernardes (povoado dos Moreiras) e EM Christovam Chiaradia (área urbana). Lugares lindos, pessoas amorosas, crianças encantadoras. Com sorrisos largos e gentis, fomos acolhidos para momentos muito especiais de troca de saberes e quereres que muito enriqueceram nossa viagem.

Ouvimos histórias contadas pelas crianças, que também mostraram, orgulhosas, os brinquedos que construíram. Saboreei o bolo de fubá feito e servido pela adorável e tímida Marilza, na EM Maria José Souza Bernardes, ouvi o depoimento contagiante das professoras Larissa Giovana Alves Ribeiro e Maria Auxiliadora Evilázio, que trabalham com salas multisseriadas.

A coordenadora Ana Claudia Silva, que nos acompanhou nas escolas rurais, merece um agradecimento especial, sempre nos recebeu com um sorriso discreto, olhos brilhantes e abraço afetuoso. Nos apresentou pessoas, nos levou aos diversos espaços, nos revelou os arredores da escola e suas ondulações geográficas particulares: a mata, a montanha, a estradinha, tudo com a singularidade de que só ali o tempo nos presenteia com um aqui e agora próprios de que, pouco importa o que acontece, além do que vemos e sentimos. A plenitude do que vemos é a revelação da intensidade do que precisamos para continuar vivendo: amorosidade, liberdade, beleza, sonoridade e acolhimento de quem está naquele lugar e de quem por ali passa.

Os abraços e demonstrações de carinho e contentamento no final foram as mais belas e generosas expressões de agradecimento e reveladores do desejo de quero mais.

 

Certamente voltaremos.

 

Socorro Lacerda de Lacerda

Wenceslau Braz – MG – acolhimento, carinho e uma boa prosa

A sexta etapa do Projeto de Contação de histórias em escolas rurais – “Conte lá que eu conto cá” – viajou por terras mineiras. Ao longo de quinze dias, viajamos por quatro municípios, treze escolas e vinte sessões de contações de histórias para estudantes das escolas municipais do campo.

Cada cidade e seus moradores, cada escola e grupo de estudantes e educadoras que encontrávamos, nos enchia de contentamento e descobertas pelo encontro e pelo compartilhamento de alegrias e saberes que aquele momento proporcionava a todos nós.

Foi uma etapa muito especial, um reencontro com o projeto e com a explícita confirmação de que contar histórias para crianças e jovens se faz cada vez mais necessário e urgente.

A primeira cidade que visitamos foi Wenceslau Braz, uma pequena e bucólica cidade com uma população de aproximadamente 2,6 habitantes. Um povo acolhedor e simpático, facilmente “puxa” uma boa conversa que pode durar horas, como se todos fôssemos velhos amigos.

No município de Wenceslau Braz, fomos à escola EM João Bárbara da Silva e a CMEI Jacira de Lima Costa, ambas muito aconchegantes, iluminadas e bem cuidadas. Fomos recebidas por pessoas acolhedoras, solícitas, dispostas e carinhosas. As crianças se mostraram animadas e curiosas ao observarem dois estranhos chegando carregados de bugigangas, que mais tarde se revelariam objetos que muito os surpreenderam.

A contação foi uma festa, cada história contada ia provocando espanto, risadas, caras de surpresa e caretas de estranhamento, tudo o que um contador gosta de presenciar.

Saímos encantados e felizes.

 

Socorro Lacerda de Lacerda/2024

Conte Lá Que Eu Conto Cá
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.