Vale do Jequitinhonha – 4ª Etapa

Estamos nos preparando para a 4ª Etapa do projeto de contação de histórias em escolas rurais “Conte lá que eu conto cá”. Desta vez iremos ao Vale do Jequitinhonha.
Essa fase é bastante importante e empolgante. Já fizemos contato com as Secretarias de Educação dos Municípios e montamos o cronograma com cidades/escolas/datas. Estamos preparando os materiais para as contações, os figurinos, os kits de livros e as sacolas para colocarmos os kits. Estamos animados e dispostos.

Nosso projeto de contação de histórias ganhou uma projeção maior do que imaginávamos, entre a primeira e a quarta etapa muita coisa foi aprendida, experienciada, acrescentada ou reduzida de acordo com as necessidades que fomos observando. Muito aprendemos através das falas e dos silêncios. Muito observamos e fomos observados. Dos livros que deixamos nas escolas, muitos foram os retornos que recebemos através de histórias contadas, atividades desenvolvidas por professores e professoras que, junto aos alunos, ouviram nossas histórias e leram os livros com os quais nós os presenteamos. Recebemos imagens e textos sobre como fizeram as atividades e agradecimentos valorosos que nos impulsionam a continuar realizando o projeto com muita alegria.

Outra mudança que aconteceu entre essa quarta etapa e as anteriores é que nas anteriores pudemos “bancar” todas as despesas: combustível, hospedagem, alimentação, sacolas para levarmos os kits de livros e materiais para as contações de histórias. Para a quarta etapa, e com um número de escolas maior a serem atendidas, não estamos mais conseguindo fazer isso sozinhos, precisamos de ajuda e resolvemos produzir uma campanha de financiamento coletivo. Produzimos um vídeo contando um tanto dessa trajetória, dê uma espiadinha acessando: https://benfeitoria.com/contelaqueeucontoca?ref=benfeitoria-pesquisa-projetos.

Seguimos com a nossa preparação e dia 14 de setembro partiremos de São Paulo rumo ao Vale do Jequitinhonha, uma região localizada no norte do estado de Minas Gerais. Embora seja uma região com baixos indicadores sociais é muito rica culturalmente e com belas paisagens.
Nossa primeira parada será em Bandeira, uma pequena cidade com uma população estimada em 5.000 habitantes, localizada na divisa entre Minas Gerais e Bahia. Mais que nunca estamos ansiosos e dispostos para conhecermos sua gente e ouvir suas histórias.
Logo mais divulgaremos o cronograma.
Um abraço e muito abrigada a todas as pessoas que tem colaborado com nossa campanha.

Socorro Lacerda e Lucio Lacerda

Cuidado, carinho, respeito

Enquanto conversávamos ameninades e esperávamos o café ser coado, o telefone tocou. Ao atender fiquei extremamente feliz pela delicadeza e cuidado com que a pessoa do outro lado me tratou. Era Elisângela Cristina Talhare Santos, Secretária de Educação da cidade de Santa Rita d’Oeste. Queria saber se estava confirmada nossa ida, no dia seguinte, para aquela cidade, porém não percebi apenas como um telefonema para confirmação do evento, foram palavras carinhosas de boas-vindas e de se colocar à disposição para o que precisássemos.

No dia seguinte, já a caminho de Santa Rita d’Oeste, foi impossível não se impressionar com a beleza daquela estrada. Mangueiras se multiplicavam em sua orla nos seguindo e nos protegendo. Verdes e frondosas com suas copas robustas e imponentes, foi fácil viajar por entre elas e os raios de sol que apareciam de vez em quando entre suas folhagens. Que privilégio estar ali visualizando tamanha beleza! É óbvio que o tempo passou sem que nos déssemos conta de que a cidadezinha de aproximadamente 2.800 habitantes já estava diante de nós. Chegamos!

No percurso, ainda deu tempo de recebermos mais um telefonema da Elisângela para saber se estávamos encontrando o caminho com facilidade, se precisávamos de alguma coisa etc., etc., etc.

Não foi em uma escola que encontramos os alunos, foi em um Centro Comunitário amplo com um palco, permitindo que todas as crianças tivessem uma boa visualização de nós e vice-versa.

As crianças foram chegando animadas, felizes e curiosas. Logo sentaram-se tranquilamente e comecei a contar as histórias que eu havia preparado como se estivesse batendo papo na calçada de algum amigo ou amiga, tamanha era minha leveza e alegria ao estar ali. Os ouvintes também se mostravam à vontade, e as professoras e professores, alguns sentados ao chão com as crianças, não se diferenciavam delas. Eram todas crianças: falando, ouvindo, pensando, viajando nas histórias, nas ideias e nas infinitas possibilidades de sair do mundo real, mesmo que apenas por alguns instantes.

Ao final da primeira seção, a primeira turma saiu para dar lugar à outra, que chegou igualmente animada. Novas crianças, novas histórias e a mesma alegria.

Encerrada a contação, o cocar que eu trouxera de Porto Velho-RO passou de mão em mão para enfeitar as cabeças de crianças e adultos que se encantavam com aquela peça genuína e colorida, vinda de tão longe. Outros queriam ouvir o som dos diversos instrumentos de percussão que dispusemos no palco. O pau de chuva era chacoalhado pelas mãos de crianças que saltitavam imitando a dança da chuva e convidavam as outras para experimentarem aquela emoção. Crianças e adultos novamente se misturaram numa empolgação fantástica, numa demonstração do quanto é bom quando gente da melhor espécie se junta para um encontro onde a educação se presentifica da forma mais verdadeira.

Desde o dia anterior, quando recebemos o telefonema para confirmação do evento, até o momento em que nos despedimos de todos para seguir o nosso caminho, nosso sentimento foi de acolhimento e carinho o tempo inteiro. Houve demonstração de cuidado conosco, de querer saber como e onde estávamos, de nos oferecer chá quentinho, de nos mostrar a cidade, de nos falar animados sobre a Festa das Nações que aconteceria em breve. Tudo muito simples, tocante, delicado.

Ao entramos no carro, resolvemos ir devagarinho, estávamos felizes demais para sair apressados de um lugar que nos fez tanto bem. A lentidão ao passarmos pelas ruas pouco movimentadas ia nos fazendo descobrir uma cidadezinha cheia de pessoas muitos simpáticas que nos cumprimentavam como se nos conhecessem.

De repente, a vitrine de uma pequena loja nos chamou a atenção: um vestido com estampas florais coloridas. Lucio quis me presentear e insistiu para que descêssemos e eu experimentasse o vestido. Entramos na loja, perguntamos sobre a peça e ficamos sabendo que aquele que estava na vitrine era o único, sem hesitar, a vendedora retirou-o do manequim e me entregou para a prova. Provei-o atrás de uma cortina improvisada em um cantinho pouco iluminado, sai para mostrar ao Lucio insinuando um desfile entre mercadorias amontoadas e ele adorou, falou que ia levar sem nem mesmo esperar que eu falasse alguma coisa. Levamos o vestido e saímos sorridentes. Agora poderíamos ir embora, pois, simbolicamente, parte daquela cidade já estava sendo levada conosco.

Socorro Lacerda de Lacerda

A importância de avaliar, refletir e resignificar nossas contações de histórias

Quando as histórias de um contador não provocam em seus ouvintes caras de espanto e expressões corporais que revelem susto, surpresa, olhos arregalados ou uma silenciosa atenção para não perder nada do que está sendo contado, certamente, as histórias ou o contador deixam a desejar, não são bons o suficiente para se fazer ouvir.

Lembrei-me disso logo após a contação de histórias na cidade de Rubinéia-SP, quando um grupo de alunos entre 4 e 10 anos chegou de ônibus ao local onde faríamos nossa apresentação. O lugar era amplo, com um palco ao fundo e piso bastante limpo.

Quando as crianças, acompanhadas pelo que eu pensei ser seus respectivos professores e professoras chegaram, sentaram-se no chão e todos os materiais que usaríamos já estavam organizados de modo a facilitar todo o roteiro. O som funcionou bem, eu estava animada, Lucio disposto, mas…

Comecei contando a história “O lobo que queria mudar de cor” (Orianne Lallemand e Éléonore Thuillier). Nem bem terminei a história, comecei a observar crianças dispersas e falantes. Algumas começaram a se deitar no chão, outras a provocar o colega ao lado ou brincar de coisas que nada tinham a ver com o que eu estava falando, pior ainda, coisas que desconcentravam a mim e aos outros que tentavam ouvir o que estava sendo contado.

Embora nas contações anteriores eu não tenha experimentado a necessidade de parar para fazê-los perceber que eu estava ali, parei de falar e esperei um pouco para iniciar outra história, apenas parei, não falei nada. Houve relativa atenção e silêncio suficientes para que eu pudesse continuar.
A atenção durou pouco tempo e novamente me senti extremamente desconfortável e desconcentrada. Parei novamente a história e pedi que eles me ouvissem mais um pouco. Por alguns momentos pensei em parar de contar as histórias, não o fiz porque trouxe para mim a insatisfação de não ser capaz de entretê-los. Minha avaliação acerca de tamanha dificuldade para continuar contando as histórias começou ali mesmo. Não desanimei, não desisti. Entretanto, esse foi um momento extremamente difícil. Meu entusiasmo e alegria, sempre tão presentes nas apresentações, foram se dissipando e por pouco o desânimo não tomou conta de mim.

Felizmente, uma das professoras se levantou, falou com a turma de modo enfático pedindo silêncio e se sentou no palco propositalmente para que as crianças percebessem que ela estava ali, vigiando-os. Aproveito aqui para agradecê-la. De certa forma, a partir disso a falta de atenção das crianças foi minimizada, mesmo sabendo que, a princípio, fora de uma forma que nada tinha a ver com o que eu estava fazendo. Infelizmente, não sei seu nome, pois nenhum dos professores ou professoras se apresentou ao chegar ou ao sair daquele espaço.

Essa falta de apresentação e recepção foi outra questão que nos fez parecer descartáveis. Foi preciso ligar pedindo que abrissem o espaço onde nos apresentaríamos. A pessoa que veio abrir o fez de forma mecânica, sem nos cumprimentar. Não sabemos o nome de ninguém que foi assistir e quando terminamos a apresentação estávamos sozinhos, Lucio e eu, sem saber como fechar o espaço para irmos embora. O barulho e a agitação provocados pelos alunos e alunas ao chegarem e irem embora tinha passado e agora tudo parecia mais silencioso do que realmente era. Fomos invadidos por um misto de decepção e falta de acolhimento. Novamente ligamos para a pessoa com a qual agendamos nossa visita e ela nos falou que podíamos deixar o portão aberto que ela enviaria alguém para fechar. O silêncio e os olhares vazios tomaram conta de nós. Saímos dali tristes.

Dissipamos nossa decepção ao irmos almoçar às margens do Rio Paraná e vislumbrar a exuberância de suas águas e das pessoas que usufruíam delas, quer seja pescando, andando de barco ou, como nós, caminhando por sua margem enquanto o almoço estava sendo preparado. Um belo lugar para repensarmos nossa sensação de frustração e ressignificá-la como algo de extrema riqueza para uma avaliação acerca das nossas limitações, escolha de repertório, comportamento entre as histórias e criatividade para contornar imprevistos.

Socorro Lacerda de Lacerda

Seja bem-vinda!

Muitas foram as emoções, sensações e descobertas que nos foram ofertadas pelos novos amigos que fizemos em Santa Clara d’Oeste. Quando escolhemos a região para levarmos o projeto “Conte lá que eu conto cá”, não imaginávamos que nossa passagem seria tão rica, tanto em relação às histórias que contamos e ouvimos, quanto às amizades que fizemos com as pessoas que fomos encontrando pelo caminho. Gente da melhor qualidade e recepção carregada de generosidade, como se já fossemos velhos amigos.

Por acaso, ou talvez não, quando contamos aos amigos Osvaldo e Cristina que íamos para aquela região, eles ficaram extremamente entusiasmados e imediatamente falaram que deveríamos nos hospedar na casa da mãe dele. Falou isso sem nem ter conversado com sua mãe. Ficamos aquietados, pois acreditávamos que logo ele esqueceria daquele assunto e faríamos nossa viagem como fazemos na grande maioria das vezes, ficando em pousadas simples.

Nossa surpresa foi saber que ele não esqueceu e nos procurou para falar que já tinha combinado tudo com sua mãe e ela iria nos receber. Lucio e eu ficamos tímidos e combinamos que tudo ia depender da forma como seríamos recebidos. Acreditando que tudo é energia, falei que dependendo da energia que “rolasse” ao chegarmos e nos cumprimentarmos, ficaríamos ou não, daríamos uma desculpa e procuraríamos a cidade mais próxima.

Ao chegarmos à casa da Senhora Marielza e do Senhor Toninho, ela e mais duas auxiliares estavam podando o jardim. Nos receberam com alegria, mas também bastante surpresa, pensou que ligaríamos antes de irmos até lá.

Lucio ficou mais para trás enquanto eu tentei parecer bem natural, já fui lhe cumprimentando e elogiando a beleza do jardim, de sua varanda em L, acompanhando todo o comprimento da casa. Eram elogios verdadeiros. Insisti para que ela continuasse o trabalho, mas sua insistência para nos acomodarmos foi maior. Ficamos em um quarto amplo e arejado, com um ar-condicionado que nos foi muito útil nas noites superquentes da cidade de Santa Clara e de toda a região. De uma cômoda de madeira maciça ela tirou toalhas limpinhas e cheirosas e de um velho baú, segundo ela com mais de cinquenta anos, vieram os lençóis que nos aconchegariam à noite. Foi bonito de ver aqueles móveis antigos e belos sendo abertos por mãos velozes e generosas que mostravam uma intimidade em seu abre e fecha na busca dos acessórios, enquanto eu ainda tentava entender aquele espaço e aquela senhora que mal acabara de conhecer e me tratava como se já fôssemos velhas conhecidas. Falante, ágil em seus movimentos e afazeres Marielza ia desvendando os mistérios daquela casa como se precisasse apresentá-la também como nossa, como o encontro de alguém com o lugar que antigamente vivera. Os quartos, as salas, a cozinha sem portas para fechar revelava o quanto aquele espaço era aconchegante. Foi na cozinha onde a maioria das conversas se deu, onde era decidido o que comeríamos e onde ingredientes naturais eram transformados em iguarias refinadas e deliciosas: o peixe que o Toninho acabara de trazer do rio Grande e o quintal servindo de verdadeiro mercado onde era colhida a graviola ou o limão para o suco, galinha caipira, o jiló cuidadosamente frito, além de temperos frescos que exalavam seu perfume mesmo antes de serem colhidos. Além das conversas animadas, ainda nos encantávamos com os pássaros que vinham se alimentar nos comedouros instalados nos beirais do telhado ao redor da casa. Que riqueza!

Na despedida, inevitavelmente o choro, impossível de disfarçar, revelando o quanto a amizade entre nós estava consolidada. E entre o choro, a alegria de termos vindo e ficado ali, o convite para que voltássemos quando quiséssemos e a promessa de que da próxima vez faríamos mais passeios pela região, Marielza ia colocando em nossas sacolas o sabão que fizera, a graviola madura, o mamão que trouxe do sítio da irmã, a polpa de fruta e a bananada feita no fogão à lenha e revezada em mexidas lentas, acompanhando a beirada da panela e as piadas que nos fizeram resistir bravamente até às 2h da madrugada para que o doce chegasse ao ponto em que Marielza insistia ser o ideal. Sua teimosia valeu a pena, o doce não poderia ter ficado mais saboroso.

Trouxemos conosco as alegrias dessa nova amizade e o cheiro do pão caseiro invadindo a casa, bananada fumegando no fogão à lenha, beija-flor bebendo água na mão da dona da casa, papagaio gritando “papai” e lhe pedindo comida, biscoito de pinga no café da manhã, suco de graviola tirada do pé, queijo fresco comprado na porta e feito artesanalmente por um senhor de confiança, jardim sendo podado como se fosse uma festa, pássaros em seus comedouros ao ar livre na beirada do telhado da varanda, sorriso farto nos recepcionando na volta das contações de histórias, o infindável repertório de piadas alegrando-nos a qualquer hora, bate-papo descompromissado embaixo da mangueira, missa no final da tarde, rio correndo em busca de outros rios, o cheiro de café coado na hora.
Tudo o que vivemos ali foi parte significativa de uma história que ainda não terminou.

Obrigada, Osvaldo e Cristina! Obrigada, Marielza e Toninho!

Socorro Lacerda de Lacerda

Socorro Lacerda

Conte Lá Que Eu Conto Cá
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