Nós não estamos acostumados com trabalho voluntário

Essa foi a frase que ouvi da assessora da Secretaria de Educação do Município de Borda da Mata – MG quando lhes falávamos das dificuldades que tivemos para agendarmos as contações de histórias na maioria dos municípios dos quais mantivemos contato.

Segundo ela, os municípios estão “quebrados”, as dificuldades para manterem seus compromissos são imensas e, geralmente, quando chega alguma proposta de trabalho, das mais simples as mais complexas, sempre tem algum interesse financeiro, ainda mais se tratando do serviço público. Certamente, essa recusa em aceitar o projeto de vocês e até mesmo nem chegarem a responder os email é o medo de que ao chegar ao município precisem contribuir com alguma ajuda de custo. Trabalho 100% voluntário? Não estamos acostumados com isso!

Ignorando esse medo de que nosso trabalho viesse a ter algum custo, a Secretária de Educação de Borda da Mata – MG, aceitou de prontidão que levássemos nosso projeto as escolas municipais daquele município. A gentileza com que fomos tratados desde o contato via email, foi como um alento para nós depois de tantos nãos e ausências de respostas para a maioria dos municípios para os quais enviamos nossa proposta.

Durante nosso contato ficamos sabendo que no município de Borda da Mata não havia escolas rurais, porém a insistência para que levássemos o projeto até à cidade nos fez abrir uma exceção e fizemos as contações de histórias em escolas urbanas. Foram seis contações carregadas de uma enorme alegria, receptividade, respeito pelo nosso trabalho e a felicidade de encontrarmos também belos contadores de histórias, autores de suas próprias narrativas.
Um belo exemplo disso é o aluno Otávio dos Reis Bernardo que estuda na EM Antônio Marques da Silva.

Parabéns, Otávio!

Escrelendo o Mundo


A cidade de São Paulo, uma das maiores cidades do mundo, traz dentro dos seus limites, múltiplas cidades que a todo momento surpreendem seus moradores e visitantes. Por ser tão grande e por seus habitantes terem vindo de vários lugares do mundo, culturalmente é uma cidade efervescente e multifacetada. O mundo habita aqui e isso é muito bom.

A periferia da zona sul de São Paulo, mais especificamente a região do Parque Santo Antônio (Diretoria Regional de Educação Campo Limpo), onde trabalhei por aproximadamente 25 anos, é um lugar muito particular. Sua população, maior que a de alguns países do mundo, é composta, em sua maioria por migrantes, principalmente das regiões norte e nordeste do Brasil. Esses moradores trouxeram consigo muitos dos costumes e das tradições culturais dos seus lugares de origem que se misturam com o que encontraram por aqui e formam outra coisa que não é nordestina, nem paulistana. É um jeito “novo” de viver e de se apresentar nesse mundo tão desigual e desumano. Aqui, a grande maioria dos moradores, são pessoas guerreiras que batalham cotidianamente para viverem com dignidade. Uma fala recorrente dos pais, mães e avós é a de que lutam para dar aos filhos o que eles não tiveram, principalmente educação.

Uma das escolas pertencentes a essa região é a EMEF M’Boi Mirim II, uma escola nova que ainda não foi nomeada e, por isso, leva o nome da principal avenida da região. É uma escola grande, com aproximadamente setecentos alunos e funciona em dois períodos.

Minha ida à escola se deu a partir de um convite da Coordenadora Pedagógica, Cleide Millare. Como sua amiga e contadora de histórias, ela pensou ser o momento propício para uma das atividades de encerramento de um projeto bem sucedido de leitura e escrita que foi desenvolvido nessa escola.

O projeto Escrelendo o Mundo, segundo a professora Rosi, teve como objetivo desenvolver a fluência leitora e escritora nos alunos e alunas dos 3ºs aos 6ºs anos. Havia uma preocupação com a grande dificuldade que os alunos apresentavam para ler fluentemente e por isso, não conseguiam interpretar e compreender o que liam. Além disso, os textos produzidos eram muito pobres.

Ainda segundo a professora Rosi, o desenvolvimento do projeto foi pensado de modo que os estudantes não se restringissem em ficar apenas com os colegas dos anos respectivos de escolaridade, eles foram organizados por nível de desenvolvimento e eixos de aprendizagem: alfabetização/fluência leitora/compreensão leitora/produção textual.

Os grupos de alunos e alunas se reuniam, com professores e professoras, às quintas feiras durante o mês de junho e no decorrer de todo o segundo semestre. Cada um dos professores e professoras que ministravam aulas nos anos indicados, assumiam um dos eixos e desenvolviam sequências didáticas por etapa, em que foi possível trabalhar diversos gêneros textuais.

Foi justamente a contação de histórias que se caracterizou como uma das atividades para encerramento do projeto. Apresentações diversas em forma de música, poesia e dança acontecerão no próximo dia 22/11.

Diante de um projeto tão respeitoso e responsável, ir a EMEF M’Boi Mirim II significou, para mim e Lucio, a representação do significado da leitura como possibilidade de aprendizagem, descoberta e criatividade a partir de uma leitura que vai se esparramando pelo mundo e ganhando contornos de possibilidades para que encontrem, em suas próprias histórias de vida, momentos que os impulsionem para a luta por uma vida melhor, assim como desejam seus pais, mães e avós.

Por tudo isso, soltei a imaginação, deixei de lado a vergonha da exposição e me desdobrei em caras, bocas e expressões corporais que foram brotando naturalmente junto às falas que iam saindo de acordo com o que o personagem exigia. Acompanhada de barcos de sentimentos e chuva a partir de tampinhas plásticas, a sonoridade foi sendo emoldurada pelas falas, os risos e as músicas que vinham ao meu encontro ecoadas por estudantes atentos que ouviam as histórias. Não contei apenas as histórias que li, coloquei ali também as histórias que vivi e que ouvi ao longo dessa minha apaixonante vida, que me presenteia com momentos especiais ao lado de amigas generosas e comprometidas com o que fazem.

Além de tudo isso, os alunos e a escolar ainda doaram diversos livros que certamente encherão as sacolas que doaremos às escolas rurais na próxima etapa do nosso projeto “Conte lá que eu conto cá” em Minas Gerais.

Muito obrigada à toda equipe!

Socorro Lacerda de Lacerda

Diamante: Uma Joia Rara II

Inevitavelmente, criamos uma expectativa em relação a nossa chegada à próxima escola e se lá o aviso sobre nossa ida havia chegado. Uma preocupação que não deveria existir devido à seriedade com a qual organizamos nosso cronograma após contato direto com secretários de cada um dos municípios para o qual nos dispusemos a ir.
Para chegarmos onde trabalharíamos no período da tarde, além de uma estrada bastante desgastada, a distância era enorme. Precisamos parar muitas vezes pelo caminho para perguntar às raras pessoas que encontrávamos, se estávamos na direção certa. Nem a distância, muito menos a estrada poeirenta, nos fizeram desistir de seguirmos em frente, embora a experiência da escola anterior nos fizesse pensar se passaríamos pela mesma situação da falta de informação entre os órgãos.

Finalmente chegamos à Barra de Oitís e percebemos logo de início que não se tratava de uma escola rural qualquer. Barra de Oitís era um distrito de Diamante. Nos chamou a atenção o grande número de pessoas que circulavam desde que avistamos o distrito, logo percebemos que se tratava da saída dos alunos devido ao final no turno de aulas. Embora tivéssemos agendado nosso trabalho para às 14h, resolvemos chegar bem mais cedo. Gostávamos de conhecer o entorno da escola e conversar com as pessoas que encontrávamos pelo caminho. Isso já nos rendia bons papos e ótimas histórias.

Conhecer gente e suas histórias de vida, independentemente de registrá-las ou não, tinha para nós uma grande importância. Era conhecendo gente e, mesmo por pouco tempo, nos relacionando com elas que enriquecíamos nossa própria história de vida, pois inevitavelmente carregaríamos conosco parte de suas experiências e dos seus sonhos. Nosso projeto não era apenas contar histórias para as crianças, era também conhecer um pouco dos lugares, das pessoas e da cultura de um povo que mesmo compartilhando a mesma região, tinha suas semelhanças e diferenças.

Gostamos de chegar e ver tanta gente. Gente de diferentes idades, conversando animadamente, exibindo seus materiais enquanto se apressavam para não perder o ônibus escolar que os levaria até os sítios vizinhos onde moravam.

Foi fácil encontrar a EMPG José Antônio Barros. Era uma escola relativamente grande e se localizava em destaque na primeira rua por onde chegamos. Entramos e percebemos que as pessoas estavam de saída. Alguns professores que encontramos nos levaram até a sala da diretora, que também estava se organizando para pegar o ônibus escolar. Junto a ela estava o coordenador pedagógico, que embora apressado, também nos recebeu muito bem. Porém, para nossa surpresa, também não sabiam que havia um agendamento para nossa apresentação. Ficaram tão surpresos quanto nós e lamentaram profundamente não contarem com nossa apresentação, pois para eles representava uma perda de oportunidade significativa diante da carência por atividades vindas do exterior da escola.

Nossa decepção foi ainda maior quando soubemos que naquela escola não funcionava o segundo turno. Isto é, havíamos feito um agendamento junto à Secretaria de Educação do Município para irmos a uma escola no período da tarde, quando na verdade essa escola não funciona nesse período. Isso mesmo!
Diante de tamanho desencontro e desapontamento de nossa parte, ficamos extremamente desanimados para continuarmos nossas visitas nas escolas do município que havíamos agendado para o dia seguinte. Entramos em contato com a Secretaria de Educação, que nos pediu desculpas e reconheceu que houve um equívoco pelo não funcionamento da escola no período indicado.

Nosso desânimo não nos deixou trabalharmos mais naquele município e cancelamos nossa visita para as demais escolas, que seriam: EM João Galdino – Sítio Engenho Velho, EM João Olegário – Sítio Porções e Assentamento Lampião, no sítio Saco Velho. Lamentamos por precisarmos fazer isso, como lamentamos também terminar nossa primeira etapa de forma tão diferente de como começamos.

Vivemos nessa primeira etapa experiências que nos enriqueceram e nos animaram profundamente, que nos surpreenderam positivamente e nos decepcionaram, escolas funcionando de forma extremamente satisfatórias enquanto outras se apresentavam descuidadas e sem condições adequadas para seu funcionamento. Porém, em nenhuma delas encontramos professores ou professoras que não estavam imbuídas e conscientes do seu papel de educadoras, que não tivessem a clareza de que a educação passa por momentos críticos de desvalorização e desrespeito, que em sua maioria os estudantes não são levados a sério. Vimos os ônibus escolares, direito de alunos e alunas, se locomoverem entre suas casas e as escolas onde estudam, serem substituídos por velhas caminhonetes com cobertura improvisada por desgastadas lonas e bancos desconfortáveis de madeira para as crianças sentarem e enfrentarem as péssimas condições de descuidadas estradas de terra.

Escolas antigas sendo derrubada para a construção de novas, reformas bem-sucedidas, outras escolas necessitando urgentemente de reformas, banheiros ainda sendo usados fora do prédio, sujeitando as crianças às intempéries, expondo-as às doenças mais banais por falta de saneamento básico e cuidados mínimos com higiene. Desrespeito, descaso, descontentamento.

Não ficamos só nisso. Para nossa alegria encontramos também, secretários de educação dentro da escola separando material junto com professores/as e alunos/as, se fazendo presentes no cotidiano da escola, querendo saber de suas necessidades. Professoras e professores extremamente compromissados, sérios, guerreiros, capazes de se emocionar com as aprendizagens e as descobertas dos seus alunos e alunas. Gente que sabe que é o seu trabalho que pode mudar a realidade de crianças e jovens que muitas vezes não se dão conta de que existe vida além daqueles recantos quase sempre esquecidos pelo poder público.

As descobertas foram muitas e valiosas. Quando me perguntam como foi viajar tanto para contar histórias em lugares tão isolados e distantes, não tenho outra resposta senão a de que vivi momentos de extrema felicidade.
E é por querer continuar sendo feliz que já estamos nos preparando para a segunda etapa do projeto “Conte lá que eu conto cá”. Seguiremos para o sul de Minas Gerais e nos preparar para mais uma etapa já nos enche de alegria.

Até breve!

Socorro Lacerda de Lacerda

Diamante: Uma Joia Rara I

A última cidade que planejamos visitar com o projeto “Conte lá que eu conto cá”, em nossa primeira etapa, foi a cidade de Diamante, localizada no sertão da Paraíba. Nossa proposta, enviada por e-mail, para a Secretaria de Educação foi recebida com extrema gentileza. Isso nos deixou muito felizes, principalmente pelo apoio que recebemos e o pedido para contarmos nossas histórias em mais escolas rurais do que costumamos contar em cada município.
Como chegamos até aqui cheios de histórias para contar e de animação e contentamento por termos vivido momentos de imensa alegria em experiências realmente transformadoras e enriquecedoras, embora cansados pela jornada já percorrida, estávamos muito animados e curiosos.
Para chegarmos até as EM Pedro Fortunato (Mata de Oitís) e EMPG José Antônio Barros (Barra de Oitís), dormimos na casa de amigos em um sítio no município de Boa Ventura que fica a poucos quilômetros da cidade de Diamante. Com acolhida tão calorosa e um farto café da manhã, saímos bastante cedo para garantirmos que não nos atrasaríamos, pois, na verdade, não sabíamos o tempo que levaríamos para chegarmos à primeira escola localizada no sítio Mata de Oitís.
Fizemos bem em sair logo cedo, o sítio ficava bem mais distante do que pensávamos e a estrada de terra não ajudou muito. A Escola Pedro Fortunato não está isolada como outras que visitamos, fica em um pequeno amontoado de casas com uma igrejinha ao fundo. O lugar é muito simples, tão simples quanto a escola que avistamos em primeiro plano. Está cercada por um retorcido e perigoso arame farpado e com piso de cimento queimado muito desgastado, revelando que a muito tempo o prédio não passava por uma reforma. O banheiro para uso de alunos e professores fica fora do prédio e em condições bastante inadequadas.
Logo nos convidaram para entrarmos e, apesar da carência do espaço, ficamos realmente felizes com a recepção e o que encontramos ao entrarmos.
No canto de uma das salas, organizado cuidadosamente, um “cantinho de leitura” bastante charmoso e convidativo. Esse cantinho estava identificado com letras grandes e coloridas, coladas na parede, alguns livros em cima de uma pequena mesa e um pequeno tapete com almofadas no chão. O carinho e cuidado com que aquele cantinho fora preparado era visível. Apesar do material demonstrar ter sido bastante usado, tudo estava muito limpo e organizado. A professora nos mostrava com o olho brilhando, orgulhosa de fazer dos momentos de leitura com seus alunos, momentos de festa e alegria.
Do outro lado da sala, organizado de forma igualmente cuidadosa, ficava o “Cantinho da Matemática”. Seus poucos e simples materiais davam uma dimensão do quanto as professoras se empenhavam em tornar acessível os parcos materiais de que dispunham, era visível o carinho com que faziam tudo aquilo. As crianças em volta, acompanhando nossa visita, se mostravam igualmente animadas e dando detalhes do que faziam e como utilizavam cada um daqueles “cantinhos”.
Entretanto, esses foram momentos posteriores a nossa chegada e apresentação. Para surpresa nossa, descobrimos que ali ninguém sabia de nossa ida a escola naquele dia. Isso mesmo! Embora nosso agendamento tenha sido feito junto à Secretaria de Educação do Município, com bastante antecedência e confirmada nossa ida ao sairmos de São Paulo, as pessoas que trabalham na escola não foram avisadas. Nosso desapontamento só não foi maior por termos sido recebidos de forma tão calorosa por professoras dispostas, animadas, acreditando que o que estávamos propondo era importante para todos que estavam ali. Segundo uma das professoras, erámos bem-vindos, principalmente por não criarmos a oportunidades de vivenciarem, na escola, momentos lúdicos e divertidos além dos que elas mesmas se propõem a fazer. “Gente de fora” para contar e ouvir histórias? Isso nunca havia acontecido por aqui.
A contação de histórias não ficou menos animada por conta desse contratempo, pelo contrário, reconhecendo que ali estavam crianças curiosas e inteligentes, fiz o melhor que pude e ainda tivemos tempo para relembrar, com um dos alunos, a brincadeira do “passa anel” que tanto brinquei em minha infância. Percebi, com bastante contentamento, que as crianças daquele lugar ainda não foram totalmente “invadidas” por brinquedos eletrônicos e individuais e encontravam tempo e disposição para brincadeiras coletivas, com elementos simples que encontravam em seu entorno.
Fiquei grata pela recepção das professoras e dos alunos, pelo café com queijo improvisado depois da contação de histórias (como não sabiam que íamos, foram correndo na casa de uma delas pegar algo para nos oferecer) e por perceber que a carência de material e de cuidado de órgãos exteriores à escola e seus funcionários não havia contaminado quem trabalhava ali. Pelo contrário, todo o cuidado e zelo que encontrei naquele espaço era visivelmente resultado das pessoas que cotidianamente se empenhavam para realizarem um trabalho sério com o compromisso de ensinar e educar da forma mais responsável possível.
Essa experiência nos fez refletir acerca do que poderíamos encontrar nas próximas escolas do mesmo município. Apesar da recepção calorosa de quem encontramos na Escola Pedro Fortunato, saímos um pouco decepcionados e reflexivos.

Conte Lá Que Eu Conto Cá
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