Cuidado, carinho, respeito

Enquanto conversávamos ameninades e esperávamos o café ser coado, o telefone tocou. Ao atender fiquei extremamente feliz pela delicadeza e cuidado com que a pessoa do outro lado me tratou. Era Elisângela Cristina Talhare Santos, Secretária de Educação da cidade de Santa Rita d’Oeste. Queria saber se estava confirmada nossa ida, no dia seguinte, para aquela cidade, porém não percebi apenas como um telefonema para confirmação do evento, foram palavras carinhosas de boas-vindas e de se colocar à disposição para o que precisássemos.

No dia seguinte, já a caminho de Santa Rita d’Oeste, foi impossível não se impressionar com a beleza daquela estrada. Mangueiras se multiplicavam em sua orla nos seguindo e nos protegendo. Verdes e frondosas com suas copas robustas e imponentes, foi fácil viajar por entre elas e os raios de sol que apareciam de vez em quando entre suas folhagens. Que privilégio estar ali visualizando tamanha beleza! É óbvio que o tempo passou sem que nos déssemos conta de que a cidadezinha de aproximadamente 2.800 habitantes já estava diante de nós. Chegamos!

No percurso, ainda deu tempo de recebermos mais um telefonema da Elisângela para saber se estávamos encontrando o caminho com facilidade, se precisávamos de alguma coisa etc., etc., etc.

Não foi em uma escola que encontramos os alunos, foi em um Centro Comunitário amplo com um palco, permitindo que todas as crianças tivessem uma boa visualização de nós e vice-versa.

As crianças foram chegando animadas, felizes e curiosas. Logo sentaram-se tranquilamente e comecei a contar as histórias que eu havia preparado como se estivesse batendo papo na calçada de algum amigo ou amiga, tamanha era minha leveza e alegria ao estar ali. Os ouvintes também se mostravam à vontade, e as professoras e professores, alguns sentados ao chão com as crianças, não se diferenciavam delas. Eram todas crianças: falando, ouvindo, pensando, viajando nas histórias, nas ideias e nas infinitas possibilidades de sair do mundo real, mesmo que apenas por alguns instantes.

Ao final da primeira seção, a primeira turma saiu para dar lugar à outra, que chegou igualmente animada. Novas crianças, novas histórias e a mesma alegria.

Encerrada a contação, o cocar que eu trouxera de Porto Velho-RO passou de mão em mão para enfeitar as cabeças de crianças e adultos que se encantavam com aquela peça genuína e colorida, vinda de tão longe. Outros queriam ouvir o som dos diversos instrumentos de percussão que dispusemos no palco. O pau de chuva era chacoalhado pelas mãos de crianças que saltitavam imitando a dança da chuva e convidavam as outras para experimentarem aquela emoção. Crianças e adultos novamente se misturaram numa empolgação fantástica, numa demonstração do quanto é bom quando gente da melhor espécie se junta para um encontro onde a educação se presentifica da forma mais verdadeira.

Desde o dia anterior, quando recebemos o telefonema para confirmação do evento, até o momento em que nos despedimos de todos para seguir o nosso caminho, nosso sentimento foi de acolhimento e carinho o tempo inteiro. Houve demonstração de cuidado conosco, de querer saber como e onde estávamos, de nos oferecer chá quentinho, de nos mostrar a cidade, de nos falar animados sobre a Festa das Nações que aconteceria em breve. Tudo muito simples, tocante, delicado.

Ao entramos no carro, resolvemos ir devagarinho, estávamos felizes demais para sair apressados de um lugar que nos fez tanto bem. A lentidão ao passarmos pelas ruas pouco movimentadas ia nos fazendo descobrir uma cidadezinha cheia de pessoas muitos simpáticas que nos cumprimentavam como se nos conhecessem.

De repente, a vitrine de uma pequena loja nos chamou a atenção: um vestido com estampas florais coloridas. Lucio quis me presentear e insistiu para que descêssemos e eu experimentasse o vestido. Entramos na loja, perguntamos sobre a peça e ficamos sabendo que aquele que estava na vitrine era o único, sem hesitar, a vendedora retirou-o do manequim e me entregou para a prova. Provei-o atrás de uma cortina improvisada em um cantinho pouco iluminado, sai para mostrar ao Lucio insinuando um desfile entre mercadorias amontoadas e ele adorou, falou que ia levar sem nem mesmo esperar que eu falasse alguma coisa. Levamos o vestido e saímos sorridentes. Agora poderíamos ir embora, pois, simbolicamente, parte daquela cidade já estava sendo levada conosco.

Socorro Lacerda de Lacerda

Seja bem-vinda!

Muitas foram as emoções, sensações e descobertas que nos foram ofertadas pelos novos amigos que fizemos em Santa Clara d’Oeste. Quando escolhemos a região para levarmos o projeto “Conte lá que eu conto cá”, não imaginávamos que nossa passagem seria tão rica, tanto em relação às histórias que contamos e ouvimos, quanto às amizades que fizemos com as pessoas que fomos encontrando pelo caminho. Gente da melhor qualidade e recepção carregada de generosidade, como se já fossemos velhos amigos.

Por acaso, ou talvez não, quando contamos aos amigos Osvaldo e Cristina que íamos para aquela região, eles ficaram extremamente entusiasmados e imediatamente falaram que deveríamos nos hospedar na casa da mãe dele. Falou isso sem nem ter conversado com sua mãe. Ficamos aquietados, pois acreditávamos que logo ele esqueceria daquele assunto e faríamos nossa viagem como fazemos na grande maioria das vezes, ficando em pousadas simples.

Nossa surpresa foi saber que ele não esqueceu e nos procurou para falar que já tinha combinado tudo com sua mãe e ela iria nos receber. Lucio e eu ficamos tímidos e combinamos que tudo ia depender da forma como seríamos recebidos. Acreditando que tudo é energia, falei que dependendo da energia que “rolasse” ao chegarmos e nos cumprimentarmos, ficaríamos ou não, daríamos uma desculpa e procuraríamos a cidade mais próxima.

Ao chegarmos à casa da Senhora Marielza e do Senhor Toninho, ela e mais duas auxiliares estavam podando o jardim. Nos receberam com alegria, mas também bastante surpresa, pensou que ligaríamos antes de irmos até lá.

Lucio ficou mais para trás enquanto eu tentei parecer bem natural, já fui lhe cumprimentando e elogiando a beleza do jardim, de sua varanda em L, acompanhando todo o comprimento da casa. Eram elogios verdadeiros. Insisti para que ela continuasse o trabalho, mas sua insistência para nos acomodarmos foi maior. Ficamos em um quarto amplo e arejado, com um ar-condicionado que nos foi muito útil nas noites superquentes da cidade de Santa Clara e de toda a região. De uma cômoda de madeira maciça ela tirou toalhas limpinhas e cheirosas e de um velho baú, segundo ela com mais de cinquenta anos, vieram os lençóis que nos aconchegariam à noite. Foi bonito de ver aqueles móveis antigos e belos sendo abertos por mãos velozes e generosas que mostravam uma intimidade em seu abre e fecha na busca dos acessórios, enquanto eu ainda tentava entender aquele espaço e aquela senhora que mal acabara de conhecer e me tratava como se já fôssemos velhas conhecidas. Falante, ágil em seus movimentos e afazeres Marielza ia desvendando os mistérios daquela casa como se precisasse apresentá-la também como nossa, como o encontro de alguém com o lugar que antigamente vivera. Os quartos, as salas, a cozinha sem portas para fechar revelava o quanto aquele espaço era aconchegante. Foi na cozinha onde a maioria das conversas se deu, onde era decidido o que comeríamos e onde ingredientes naturais eram transformados em iguarias refinadas e deliciosas: o peixe que o Toninho acabara de trazer do rio Grande e o quintal servindo de verdadeiro mercado onde era colhida a graviola ou o limão para o suco, galinha caipira, o jiló cuidadosamente frito, além de temperos frescos que exalavam seu perfume mesmo antes de serem colhidos. Além das conversas animadas, ainda nos encantávamos com os pássaros que vinham se alimentar nos comedouros instalados nos beirais do telhado ao redor da casa. Que riqueza!

Na despedida, inevitavelmente o choro, impossível de disfarçar, revelando o quanto a amizade entre nós estava consolidada. E entre o choro, a alegria de termos vindo e ficado ali, o convite para que voltássemos quando quiséssemos e a promessa de que da próxima vez faríamos mais passeios pela região, Marielza ia colocando em nossas sacolas o sabão que fizera, a graviola madura, o mamão que trouxe do sítio da irmã, a polpa de fruta e a bananada feita no fogão à lenha e revezada em mexidas lentas, acompanhando a beirada da panela e as piadas que nos fizeram resistir bravamente até às 2h da madrugada para que o doce chegasse ao ponto em que Marielza insistia ser o ideal. Sua teimosia valeu a pena, o doce não poderia ter ficado mais saboroso.

Trouxemos conosco as alegrias dessa nova amizade e o cheiro do pão caseiro invadindo a casa, bananada fumegando no fogão à lenha, beija-flor bebendo água na mão da dona da casa, papagaio gritando “papai” e lhe pedindo comida, biscoito de pinga no café da manhã, suco de graviola tirada do pé, queijo fresco comprado na porta e feito artesanalmente por um senhor de confiança, jardim sendo podado como se fosse uma festa, pássaros em seus comedouros ao ar livre na beirada do telhado da varanda, sorriso farto nos recepcionando na volta das contações de histórias, o infindável repertório de piadas alegrando-nos a qualquer hora, bate-papo descompromissado embaixo da mangueira, missa no final da tarde, rio correndo em busca de outros rios, o cheiro de café coado na hora.
Tudo o que vivemos ali foi parte significativa de uma história que ainda não terminou.

Obrigada, Osvaldo e Cristina! Obrigada, Marielza e Toninho!

Socorro Lacerda de Lacerda

Socorro Lacerda

Preparativos para mais uma etapa

Estamos organizando nossa 3ª etapa do projeto “Conte lá que eu conto cá”. A preparação para uma etapa acontece sempre com antecedência para que possamos organizar tudo o que envolve uma contação de histórias nos moldes do que nos propomos: escolha da região do Brasil para onde pretendemos ir, pesquisa sobre as menores cidades dessa região e que tenham escolas rurais, envio de e-mail ou telefonemas, montagem de cronograma, escolha e preparação das histórias que serão contadas, campanha de doação de livros que serão levados para os estudantes e formadores, confecção de sacolas, em tecido, para levarmos os kits de livros, checagem de som, revisão do carro, escolha do figurino.

Como se vê, há todo um processo antes de pegarmos a estrada. Há toda uma disposição nossa para que as histórias contadas sejam momentos de alegria, compartilhamento de saberes, diversão e divulgação da importância da leitura e do contar histórias como momentos da construção de nossa identidade e afloramento de nossas memórias afetivas.

Apesar de tudo isso, estamos enfrentando dificuldades em relação ao agendamento das cidades e, consequentemente, das escolas rurais, para onde pretendemos ir, principalmente pela falta de resposta aos e-mails, enviados por nós, para as secretarias de educação das cidades escolhidas. Outra dificuldade enfrentada é por estar cada vez mais reduzido o número de escolas rurais nos municípios.

Para minimizar esses problemas, fizemos algumas adaptações em nosso projeto. Quando a cidade não tem escolas rurais, mas tem uma pequena população (de até 5.000 habitantes), fazemos a contação de histórias nas escolas urbanas e, além dos emails enviados, também fazemos contatos com as secretarias de educação ou diretamente com as escolas através de telefonemas. Essas mudanças têm nos ajudado a tomarmos decisões mais assertivas e termos respostas da aceitação ou não do nosso projeto com maior rapidez e eficiência.

Nossa 3ª etapa será no Sudoeste do Estado de São Paulo e já temos confirmadas contações de histórias em várias cidades. O cronograma já está sendo divulgado e nossa mala de contação está ficando recheada de ideias.

Um abraço em todo/as!

Socorro Lacerda e Lucio Lacerda

Conte Lá Que Eu Conto Cá
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