EMEIF Maria Bernadete Albuquerque da Costa e EMEIF José Bráz do Nascimento – Café do Vento – Passagem/PB

O povoado de Café do Vento, distrito de Passagem-PB, parecia perdido no tempo. Um pequeno amontoado de casas e um silêncio que nos permitia ouvir os sons da natureza. A Serra do Firmiano, que aparece em destaque ladeando o povoado, é um irrecusável convite para um olhar cuidadoso de contemplação e magia. Nesse momento compreendemos a importância do silêncio naquele lugar. Para que palavras, se tudo o que está diante de nós é suficiente para aguçar todos os nossos sentidos e sentimentos, nos enchendo de um contentamento inexplicável e um desejo de continuar admirando a grandiosidade da serra, o cantar dos pássaros e o vento manso e contínuo que inspirou o nome do povoado? O silêncio basta, assim como basta o olhar vagueando sem pressa.

O silencio só foi interrompido quando as pessoas começaram a chegar à escola para onde deveríamos ir. Que barulho bom de se ouvir: crianças e adultos anunciando sua chegada com falas animadas, chamados eufóricos, indicação do caminho para nos mostrar a escola, sua organização em salas, em espaços abertos e claros, em cantinhos convidativos para leitura, bandeirolas verde e amarelo que as crianças nos faziam entender como uma “copa junina” e um vai e vem de gente curiosa e disposta a nos deixar muito à vontade. Tudo o que estava ali exposto era uma maneira explícita e carinhosa de dizer que éramos bem-vindos. Nos sentimos em casa e cheios de contentamento.

Toda a atenção que nos deram antes, permeou nossa permanência na escola até o final de nossas atividades quando nos presentearam com personagens de Monteiro Lobato confeccionados em garrafas pet como resultado de um projeto de leitura desenvolvido na escola.
Alunos e alunas fizeram uma delicada apresentação dos livros que já leram ou estavam lendo, a cortina da leitura, ao fundo, era mais um elemento que mostrava o quanto a escola priorizava a leitura como fundamento para uma educação arraigada na liberdade e na possibilidade de apresentação de um mundo fantástico que extrapola a realidade como apropriação para transformá-la, se assim desejarem.

Experimentei ali a mais pura expressão de alegria através de largos sorrisos e da generosidade no acolhimento e na satisfação de conhecer cada cantinho da escola especialmente cuidado para alunos e alunas se apropriarem como seu e fazerem bom uso de tudo o que estava ali à disposição de todos. De certa forma, também me apropriei de tudo. Quis olhar atentamente cada sala de aula e seus coloridos painéis e cartazes resultantes de trabalhos desenvolvidos naquele espaço, cada objeto confeccionado com sucata, com materiais diversos que se tornariam lixo se não fossem mãos hábeis e criativas de professores e professoras que viam além do que estava ali exposto, que tiravam de dentro de cada objeto descartável ideias coerentes que se transformariam em estímulos para o conhecimento e a aprendizagem. O amplo corredor que separa as salas de aula deixava naturalmente de ser um corredor para se transformar nos espaços das brincadeiras e encontros, na ligação entre espaços que merecem ser explorados e apropriados. Em todos os cantos, em todos os lugares, expressões genuínas de gente que pensa e faz da educação momento intenso de doação e de troca capazes de promover um crescimento ímpar em cada um daqueles que tem oportunidade de participar de uma convivência harmoniosa e carregada de disposição para que as coisas deem certo.

Fotografias diversas, conversas entrecortadas pelo medo de não dar tempo de dizer tudo o que se pensava, o que se desejava. O compartilhar do que faziam e do que falavam em suas várias visões de mundo e dos tempos diversos para o fazer de cada coisa de acordo com quem o fez e suas histórias de vida ajudando na apropriação do conhecimento como algo extremamente particular e belo. Ao mesmo tempo em que era um grande grupo de alunos e alunas, professores e professoras, coordenadores, diretor e demais funcionários se mostrando inteiro, era possível ver particularidades respeitadas, individualidades incentivadas pelo valor reconhecido de que não somos iguais e por isso mesmo merecemos ser tratados em nossas diversidades.

Nessa escola e com pessoas tão especiais e competentes, mais aprendi que ensinei, mais me emocionei que provoquei emoção. Levei comigo o mais absoluto sentimento de que educar é mais que “transmitir conhecimentos”, é trocar saberes, emoções, sensações. É não ter medo de experimentar, de ousar, de enfrentar os desafios como parte do cotidiano que te faz crescer e repensar novos caminhos e novos desejos. Principalmente, experimentar certezas e dúvidas como parte de um processo que, felizmente, está longe de terminar.

Como se tudo isso não bastasse, ainda fomos pegos pelo estômago com o cheiro de café passado na hora e uma tapioca deliciosa compartilhada com quem fez e com quem desejava aprender a fazer para deliciar-se posteriormente na tentativa de voltar ao tempo da degustação como um tempo do encontro de agora.
Parabéns pelo trabalho de todos!
Obrigada pela acolhida, nosso desejo é de muitos outros encontros.

Socorro Lacerda de Lacerda

Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Maria Quitéria

Pequena, charmosa, limpa e com funcionários e funcionárias para lá e para cá tentando deixar a escola ainda mais bonita. Foi assim que observamos a escola Maria Quitéria, logo ao chegarmos em seu hall de entrada. Diretora, professores e professoras, coordenadores e algumas crianças estavam agitadas, descalças, carregando bandeirinhas coloridas e tecidos de chita floridos. Estavam contentes e animadas tentando fazer uma decoração para a festa junina da escola. Todas as pessoas estavam na mesma condição e com o mesmo objetivo, a hierarquia que em tantos lugares fica visível, com autoridades querendo permanecer fechadas em suas salas como destaques, aqui estava diluída no desejo de que tudo acontecesse da forma mais prazerosa possível. Só soube o cargo de cada uma daquelas pessoas mais tarde, quando me apresentei e gentilmente também se apresentaram e foram carinhosamente me mostrar a escola. Fiquei surpresa por perceber que toda aquela organização não se dava de forma isolada ou devido à grande festa junina que se aproximava. Todos os espaços da escola eram tratados com muito carinho e cuidado. Salas de aulas com bonitos painéis relativos a atividades desenvolvidas com os alunos e alunas e cantinhos de leitura cuidadosamente preparados. No pátio esse cantinho era organizado por um grande panô com bolsos em tamanho suficiente para serem colocados livros diversos. Também tinha uma brinquedoteca que, apesar dos poucos recursos, estava organizada e pronta para ser usada. A sala da diretora era organizada o suficiente para que a escola funcionasse: além de uma pequena mesa onde ela trabalhava e atendia às pessoas, pelos cantos da sala era visível a inúmera quantidade de materiais diversos. Livros, pastas, materiais de alunos e prendas para a festa junina. A referida sala era o retrato de quem a ocupava: acolhedora de gente e de coisas, de portas abertas a quem quisesse ou precisasse entrar, pronta para servir ou ser servida.
O pátio da escola era amplo e claro. De seu interior era possível observar uma deslumbrante vista das serras que ladeiam a cidade e um pequeno açude que estava cheio, para alegria de todos. A paisagem me encantou e por algum tempo fiquei observando cuidadosamente aquele verde, aquelas águas, aquelas casas simples e aparentemente aconchegantes. O som ao fundo, ficava por conta do barulho de algumas crianças que vinham chegando e dos adultos que opinavam sobre onde ficaria melhor determinado adorno.
Como chegamos cedo, não nos demos conta de que o tempo foi passando rapidamente e mal percebemos a transformação que a escola e as pessoas foram sofrendo. Já não vimos mais as pessoas descalças e animadas correndo de um lado para outro. Sem que percebêssemos, a decoração havia sido feita e as pessoas tinham tido tempo de ir até suas casas trocarem de roupa e se prepararem para se mostrarem para o evento do qual participaríamos. Abrimos as malas com nossos pertences e os espalhamos em nossa colcha de retalhos para curiosidade de todos e alegria nossa, por percebermos que não se contentavam apenas em nos olhar naquele espaço: perguntavam, queriam saber e também falavam de suas experiências. Algumas crianças e professores que estudam e trabalham no primeiro turno foram convidadas e também estavam lá. O piso que havia sido lavado a pouco tempo foi o lugar ideal para se acomodarem e ouvirem as histórias que eu contaria.
Cada história contada era ouvida atentamente, participaram, se encantaram. Todos faziam questão de demonstrar a satisfação que sentiam por estarem ali. Todo o tempo em que ficamos na escola nos sentimos acolhidos, respeitados, admirados. Não houve contratempos nem indiferenças. As mesmas pessoas que corriam em nossa chegada para deixarem a escola bonita, também corriam agora para não perderem nenhuma palavra do que falávamos e do que ouvíamos. O colorido da decoração da escola que se preparava para a festa junina se misturou ao colorido dos tecidos e dos vários objetos espalhados pelo chão que eu havia usado anteriormente. Mais colorido ainda, eu enxergava nos olhos ativos e altivos das crianças de várias idades, de vários jeitos de se comportar, das várias maneiras de se expressarem diante dos outros.
Os mesmos materiais que costumávamos deixar à disposição de todos, após contarmos as histórias, foram utilizados pelas crianças para criarem outras histórias, em que, diferente das que eu havia contado, os personagens se misturavam em uma mesma história para dar conta de tanta imaginação. Uma ocarina ia além do som que produzia e virava um colar que enfeitava a princesa, agora “real” que saíra dos contos inventados e contados por quem tinha se apropriado da tal peça. Piões rodopiavam pátio afora em verdadeiros bailados, sincronizados ou não, pouco importava, pois o que valia mesmo era a disposição que cada criança exibia para fazer girar por mais tempo seu pião, transformar em mais herói seu personagem, mais bela sua princesa, mais amigos os já amigos que se deliciavam em suas trocas pelos brinquedos e objetos que logo se transformariam em novos objetos que outros ainda não tinham percebido que habitavam ali.
Uma delícia de se ver, uma maravilha de se experimentar, em tão pouco tempo, o ir e vir entre o real e o imaginário. Só crianças curiosas e atentas podem te levar sem que você se dê conta de que tudo já estava ali, nós adultos, não nos permitimos sair do óbvio, do racional. Que pena!
Quando íamos saindo da escola, já com os materiais no carro, a diretora Valmira, pediu que esperássemos um pouco. Fiquei surpresa ao descobrir o motivo da espera: a pedido da diretora, o coordenador foi até a pequena padaria da cidade para nos oferecer os produtos ali fabricados. Como ela mesmo disse, produtos da terra, feitos ali mesmo para serem consumidos pelos moradores. Isso me emocionou. Me senti privilegiada por nos presentearem com algo tão particular: pães, bolachas e biscoitos de diversas formas e sabores. A sacola simples não dava conta de conteúdo tão significativo. Pouco nos importava o valor das iguarias, pois o que estava mesmo colocado diante de nós era o carinho e a alegria de nos fazerem sentir em “casa” e levar conosco um pedacinho do sabor daquela terra.
Que delícia!

Isso é coisa de criança?

Isso é coisa de criança!
Essa fala estava estampada na cara de alguns adolescentes que foram convidados para ouvir a contação de histórias junto aos alunos e alunas do Ensino Fundamental I. A EMEF – Carlos Monteiro de Oliveira era a primeira escola para onde fomos, que funcionava com um grande número de salas distribuídas entre o Ensino Fundamental I e II. Era uma escola urbana, diferente das rurais que priorizamos em nosso projeto. O número de alunos passava dos cem e a escola, embora grande, não tinha nenhum espaço que comportasse todos ao mesmo tempo. Não houve outro jeito senão levá-los ao pátio do CRAS (Centro de Referência de Assistência Social), que fica vizinho à escola.
A coordenadora demonstrou certa preocupação em trazer alunos das diversas faixas etária para o mesmo espaço para ouvir as estórias. Segundo ela, um grande número de alunos poderia causar indisciplina. Respondi que uma boa história pode ser contada ou ouvida em qualquer idade.
Na verdade, a preocupação dela era em relação a disciplina/indisciplina.
Não era isso que alguns adolescentes pensavam. O que eles pensavam mesmo era:
– Isso é coisa de criança.
Os sorrisos só se alargaram e a animação se fez presente quando alguém falou que, se a contação de histórias demorasse até às 11h20, eles não precisariam voltar à sala de aula. Essa descoberta fez os adolescentes chegarem animados, cada um carregando a sua cadeira e torcendo para que tudo fosse feito sem pressa. O mais importante para a maioria deles era que o tempo passasse e ninguém precisasse mais assistir aula naquele dia.
Por outro lado, as crianças do Ensino Fundamental I chegavam curiosas, animadas, felizes, carregando suas cadeiras como algo valoroso que lhes garantiriam conforto para o momento que se aproximava.
Todos se misturaram, professores e professoras, diretora, coordenadora e alguns curiosos encontraram lugares para ouvir o que eu estava pronta para contar.
A cada história contada, a quantidade de olhos atentos e posturas confiantes aumentavam consideravelmente. Todos ouviam com atenção e até esboçavam respostas para perguntas que alguns personagens faziam aos outros. O olhar no olho do outro que eu tanto gostava de fazer quando estava contando alguma história, teve, nessa sessão, uma importância ainda maior. Era nessa interação de olhares que eu ia percebendo quando o desejo de ouvir ou a curiosidade que os movia para a continuidade da contação era maior do que o desejo de não voltar mais à sala de aula. Fazendo gestos, cruzando olhares, admirando corpos sentados despretensiosos no chão, fui fazendo da minha contação de histórias ricos e belos momentos de desafios para transformar o que eu contava naquilo que eles desejavam ouvir. Porém, como saber o que eles desejavam ouvir? Isso também descobri no exercício de olhar nos olhos de quem estava próximo a mim. Percebi que quem gosta do que ouve transforma seus olhos em ouvidos e os fixa em quem fala, não muda rapidamente a posição dos olhos, não foge de um contato visual insistente, não busca outros olhares. De história em história, de aplauso em aplauso, de objeto a objeto, as estórias foram fluindo e o tempo já não era mais motivo de preocupação quanto a se daria tempo ou não para voltarem à sala de aula.
Quando convidei alguns alunos e alunas para ler o cordel da história da cidade que eu havia escrito, muitos foram os adolescentes que se dispuseram a fazer. Deixei que viessem todos, leram em um verdadeiro jogral, em tons e volumes diversos, ficaram orgulhosos por participarem, sentiram-se importantes por reconhecerem-se naquela história, também buscaram os olhares de quem os ouvia, os gestos de quem os assistia.
Ao final da leitura, os aplausos foram entusiasmados, a emoção tomou conta e não ouvi ninguém perguntar que hora era aquela, se ainda dava tempo de voltar à sala de aula. Corpos leves, ideias fluindo, imagens montadas e desmontadas a partir de personagens que acabaram de conhecer, de lugares que acabaram de visitar, de situações em que foram capazes de se desvencilhar com habilidade e coragem. Tudo isso e a delicadeza com que vieram até onde eu estava para se despedir, me abraçando e agradecendo, foi possível ler no rostinho de cada um daqueles adolescentes:
– Isso não é coisa de criança!

Socorro Lacerda de Lacerda

EM Miguel Arcanjo Pereira – Sítio Brabo – Jardim do Seridó/RN

Entre a BR 427 e o sítio Brabo, precisei descer do carro para abrir a porteira que nos daria acesso à estrada de terra que nos levaria à EM Miguel Arcanjo Pereira. A estrada era boa e não tivemos nenhum problema de localização. Foi uma enorme surpresa e alegria chegar aquela escola que tinha acabado de passar por uma reforma e estava linda, limpa, organizada, crianças animadas e sorridentes e professoras comprometidas e engajadas. Uma energia vibrante que logo contaminou ao Lucio e a mim.

Todos já nos esperavam e prontamente nos ajudaram a pegar os materiais que estavam no carro e colocá-los na quadra coberta anexa à escola onde desenvolveríamos nossas atividades. Um espaço amplo, iluminado e extremamente limpo. Entre a organização do espaço e a escolha do material para as histórias que seriam contadas, as conversas aconteciam animadamente entre todos: perguntas sucessivas, repostas entrecortadas, depoimentos sobre o funcionamento da escola, empolgação das professoras por estarmos ali, ansiedade por mostrarem os trabalhos que faziam, os projetos que realizavam, os materiais que confeccionavam. A organização das salas de aulas e o cantinho da leitura eram primorosos.

A contação de histórias foi um momento iluminado: palavras, expressões, gestos, caras e bocas aconteceram de forma extremamente espontânea, com uma leveza incrível. Não se contentaram em ficar sentados, naturalmente foram se deitando no chão e aconchegando a cabeça entre as mãos. Um ou outro começou timidamente e logo a maioria deles já estava deitada: atentos, respeitosos, admirados com o desfecho de cada história. Uma belezura!Entre uma história e outra, o assunto suscitado pelo texto era prolongado por conversas que extrapolavam para opiniões, comentários e expressões de espanto pelo que tinham acabado de ouvir e de participar. Em outros momentos, o silêncio reinava como se não compreendessem que a história havia acabado ou como quem tinha se introjetado de tal forma na história que simplesmente não queria sair dela. Um bom exemplo disso foi quando terminei de contar a história “A colcha de retalhos”, de Nye Ribeiro e Conceil Correa da Silva, que termina com um diálogo emocionante entre Felipe e sua avó:

“- Vovó, vem aqui pertinho. Agora, me dá um abraço bem gostoso!
– Aconteceu alguma coisa, Felipe?
– Sabe, vovó… – cochichou Felipe, bem baixinho, no seu ouvido… – preciso te contar um segredo: eu acho que já entendi… agora eu já sei o que é saudade!”

O silêncio continuou por poucos segundo que pareceram horas. Algo mágico hávia acontecido ali, até eu mesma, olhando para aqueles rostos quietos e seus olhos mirando o nada, demorei um pouco para fazer a pergunta que os trazia de volta aquele espaço em que, na maioria do tempo, ecoava as falas de todos:

– E vocês, já sentiram saudades?

Como que saindo de um mergulho, eles foram falando de suas saudades e de suas vontades. Pessoas, coisas e lugares foram lembrados. Desejos de reencontros com familiares e amigos distantes foram colocados.

Quando propus que algum aluno ou aluna contasse uma história, não houve timidez nem empurra-empurra. Duas alunas se dispuseram a participar. Uma delas leu a história: “O coelhinho que não queria ser de páscoa”, de Ruth Rocha. Outra aluna contou a história de “Chapeuzinho Vermelho” e aproveitou para usar uma máscara da personagem que estava disponível entre os materiais que eu levara. Leitura fluente, desenvoltura no contar, tranquilidade para se apresentarem diante dos colegas e olhos atentos e marejados da professora que via sua aluna desenvolta e leitora, apesar de ser trabalhada em uma sala multisseriada. Uma vitória!

A professora Valdenira deu um importante depoimento sobre seu nascimento e crescimento na mesma comunidade onde vive até hoje, sua luta pela educação, especialmente pela escola rural e seus desafios em trabalhar com turmas multisseriadas. Quando ela começou a trabalhar no município havia 28 escolas rurais, hoje funcionam apenas duas. Para conseguir manter a escola no Sítio Brabo foi preciso muita luta. “Foi uma luta muito grande manter essa escola aberta, porque a tendência é fechar as escolas rurais, só que aqui a gente fez uma política junto com os pais e toda a comunidade, inclusive as comunidades vizinhas, e concentramos aqui os alunos dessa região. Hoje temos mais de trinta alunos matriculados em nossa escola.” Esses trinta alunos estão divididos em duas salas multisseriadas.

Não foi emocionante apenas ouvir sua história de vida, foi bonito ver como, após vinte e oito anos de trabalho, ela ainda continua esperançosa e disposta, acreditando em sua luta e em seu trabalho. Não menos curiosa e animada estava a professora Alexsandra, orgulhosa dos seus alunos, empolgada com as atividades que faziam e com a organização do espaço da sala de aula onde trabalhava.

Terminar de contar as histórias não foi o fim das conversas e brincadeiras. Continuamos conversando e brincando com os brinquedos disponíveis e com a confecção de um pião a partir de uma página de revista, um palito e cola. Foi um momento de muita expectativa, pois não falei o que faríamos com aquele material. Ao perceberem que era um pião, o desejo de todos era de que cada um deles tivessem a oportunidade de fazê-lo girar. Cada giro conseguido era motivo de vibração, alegria e altas gargalhadas que chamavam a atenção de quem ainda não estava ao nosso redor. Confeccionar um pião com materiais tão simples motivou alunos e alunas a falarem que também confeccionavam brinquedos com materiais que tinham em seu entorno. Um exemplo foi a confecção também de um pião com o fruto da favela (árvore que cresce na região). Esse foi um bom motivo para saírem da escola e irem procurar a tal árvore para me mostrarem como fazem o brinquedo. Saíram eufóricos, queriam mostrar o que faziam, o que sabiam, como brincavam, porém não conseguiram encontrar a árvore próximo à escola. Alguns sabiam onde tinha, mas para chegar até ela, era preciso entrar um pouco mais na mata e achamos melhor parar a busca por ali. Liberdade foi o nome que dei aquele momento. A escola não se limitava às salas de aula ou aos muros que a cercavam, extrapolava tudo isso e se expandia pro terreiro da escola que se avizinhava ao terreiro das casas dos alunos e alunas, às árvores que as rodeavam, ao passo firme que os impulsionavam a caminharem, aos pássaros que eram reconhecidos por seus nomes e seus cantos. Não encontraram a “favela” para me ensinarem a fazer o pião, entretanto, me ensinaram e me mostraram a beleza de uma escola viva, inteira, multidisciplinar, respeitosa com o lugar onde está inserida, com as pessoas que a frequentam, com o desejo de que a aprendizagem se dê da forma mais intensa a partir do que tem e do uso que fazem disso. A alegria da convivência e de receber as “visitas” como se fossem velhos conhecidos, ficando tão à vontade diante deles que se permitem se esparramar no chão para ouvir as histórias e tirar seus chinelos para correr em busca do valioso fruto que lhes permitirá ensinar algo, com o único objetivo de valorizar as trocas de experiências e aprendizagens.

O mais emocionante foi, depois de alguns dias, receber da professora Valdirene, um vídeo com as crianças brincando animadamente com piões que eu havia lhes ensinado a fazer e agora haviam confeccionado com a ajuda de uma colega. Junto ao vídeo, a legenda: “Os peões confeccionados por Angélica. Angélica ama tudo. É a nossa aluna mais carente financeiramente, mas é também a mais feliz, gosta muito de ajudar a todos.” O vídeo tem a duração de apenas 26 segundos. O tempo suficiente para observar que em cada tentativa de fazer o pião dar a volta em torno de si mesmo, as crianças falavam animadas sobre qual rodava melhor, qual o que ainda não conseguia. O tempo suficiente para sentir e me reconhecer nas imagens, pois de forma implícita elas me mostravam que eu estava presente ali. Que a finitude de cada volta representava o desejo de infinitude de um momento tão prazeroso de descobertas e demonstração de carinho por si mesma e pelos outros.

Vibrei ao observar crianças que havia conhecido e com quem tinha vivido momentos tão especiais brincando com o pião que eu havia lhes ensinado a fazer e que agora eles próprios construíam. A sensação que tive era de que eles haviam ficado com um pedacinho de mim e gostavam disso, enquanto eu me sentia impregnada deles e estava adorando revê-los.

Socorro Lacerda de Lacerda

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