Socorro Lacerda
Sítio Ramada – São Fernando/RN
EM Luiz Conrado de Medeiros – Sítio Ramada – São Fernando – RN
O município de São Fernando – RN é um daqueles em que você chega e já se sente acolhida. A cidade é pequena e charmosa, dá até vontade de descer do carro e sair andando por suas ruas tranquilas. Apesar do lugar ser tão convidativo não pudemos fazer isso, logo que chegamos fomos direto à EM Luiz Conrado de Medeiros – Sítio Ramada onde contaríamos nossas histórias.
O Secretário de Educação, Matheus Henry Medeiros Lima, nos havia informado que podíamos trabalhar com três escolas da zona rural. Porém, como cada uma delas funciona com um pequeno número de alunos, sua sugestão foi que concentrássemos todos os alunos em uma mesma escola. Essa ideia foi aceita e deu muito certo. As escolas escolhidas foram: EMEF Monsenhor Walfredo Gurgel – Sítio Boa Vista. Prof. Francisco Assis de Lima 4º/5º anos; EM Luiz Conrado de Medeiros – Sítio Ramada – Prof.ª Maria José de Medeiros – 3º/4º anos; EM Simplícia Pereira de Lima – Sítio São Jerônimo – Profª. Simplícia Suely Dantas – 1º/2º/3º anos, Educação Infantil – Profª. Liberalina Leontina Neta e Profª. Maria do Carmo Santos Braga (creche e pré-escola). Nos concentramos na EM Luiz Conrado de Medeiros – Sítio Ramada, uma pequena escola com paredes amarelas e uma bela árvore em seu terreiro.
Percorremos o trajeto, até o nosso destino, em um relevo muito irregular o que fazia com que o Lucio guiasse o carro em baixa velocidade e com muito cuidado para não ficarmos nos atoleiros ou nos buracos da estrada de terra. A baixa velocidade nos permitiu apreciar uma paisagem muito bela, ainda mais pela chuva da última temporada ter deixado seus arbustos, árvores de maior porte e as roças de milho e feijão muito verdejantes como prenúncio de uma boa colheita. Ao sair da cidade nos deparamos com nosso primeiro obstáculo: a estrada que nos levaria ao sitio Ramada, onde está localizada a escola, fica sobre a parede do açude público “Juvenal Medeiros” que, em decorrência das últimas chuvas, encontrava-se transbordando. A água banhava uma boa parte da parede do açude desaguando, em seu lado oposto, em forma de uma bonita cachoeira. Fomos cautelosos, esperamos um pouco outros carros passarem para que tentássemos fazer o mesmo. Em nossa vez de fazermos a travessia, fizemos de forma silenciosa com uma mistura de medo e curiosidade para depois de tudo experimentarmos a sensação de termos vivido uma aventura.
Crianças e adultos já nos esperavam ao redor da escola. Fomos recebidos animadamente, por alunos e professores, que nos fizeram ficar muito à vontade.
O pátio coberto, ao lado da escola, foi um local muito apropriado para o nosso trabalho. Nesse espaço organizamos nosso material, enquanto as crianças olhavam curiosamente para tudo o que estava ali exposto. É bonito ver as crianças entusiasmadas, querendo descobrir o mundo inteiro em uma caixa plástica transparente. Essa curiosidade esteve presente em todo o tempo que demorei para fazer a contação de histórias. Era possível observar, através de corpos inquietos e olhares piscantes, a alegria por viverem aquele momento.
As crianças participaram ativamente de cada uma das histórias contadas, falaram, gesticularam, andaram pelo pátio, brincaram, conversaram conosco, quiseram saber quem éramos e de onde viemos. Exploraram os objetos e brinquedos diversos que disponibilizamos em nossa colcha de retalhos e os kits de livros foram recebidos com muita alegria e entusiasmo. Uma inesquecível manhã.
Agradecemos carinhosamente ao Secretário de Educação, Matheus Henry, que respondeu ao nosso primeiro contato, aceitando e incentivando nosso trabalho; à diretora Maria Lucia, que nos esperava na escola com um sorriso aberto e generoso; às professoras Maria José de Medeiros, Simplícia Suely Dantas, Liberalina Leontina Neta e Maria do Carmo Santos Braga, ao Professor Francisco Assis de Lima, à estagiária Clara Gomes de Araújo, às gentis senhoras que prepararam um delicioso creme de galinha como merenda do dia.
Socorro Lacerda de Lacerda
Olho D’água III
Quando as apresentações preparadas pelos alunos e alunas da Escola Manoel Procópio de Araújo, no distrito do Socorro, começaram, embora estivessem atrasadas, crianças e jovens se comportavam com uma certa tranquilidade, apenas exibiam olhos inquietos e brilhantes pelas novidades que esperavam acontecer ali.
A professora Socorro Guimarães fez a abertura das atividades recitando um cordel de sua autoria, onde falava do que havia preparado para aquela manhã e da importância da presença de uma contadora de histórias como continuidade do trabalho que faziam em projetos para o incentivo da leitura.
A apresentação de um grupo de estudantes da escola, organizado e ensaiado pela Cacá, mãe de uma aluna, foi uma encenação do livro “A casa Sonolenta”, de Audrey Wood. Com falas, músicas, figurinos e coreografias acrescentadas ao texto original, virou uma peça que muito encantou a todos. Enquanto isso, já vestida com a bata que contaria as histórias, esperei minha vez sentada ao chão junto aos demais expectadores numa forma descontraída de me sentir um deles.
Comecei minha apresentação saindo de onde eu estava e cantando suavemente a música “Meninos”, de Juraildes da Cruz, que tenho usado para iniciar algumas das atividades de contação:
“Dizem que verrugas
são estrelas
Que a gente conta
Que a gente aponta
Antes de dormir, dormir, dormir
Eu tenho contato
Mas não tem nascido
Isso é estória de nariz comprido
Deixe de mentir, mentir, mentir
Os sete anões pequeninos
Sete corações de meninos
e a alma leve, leve, leve
São folhas e flores ao vento
O sorriso e o sentimento
da Branca de Neve, neve, neve
Não sou tanajura
mas eu crio asas,
Com os vagalumes
eu quero voar, voar, voar
O céu estrelado hoje é minha casa
Fica mais bonita
quando tem luar, luar, luar
Quero acordar
com os passarinhos
Cantar uma canção
com o sabiá”
Todos ficaram surpresos por eu sair cantando entre eles, certamente esperavam que o início acontecesse onde eu havia estendido a colcha de retalhos.
A primeira história que contei foi “Qual é a cor do amor?”, de Linda Strachan. Ao fazer a pergunta que dá nome ao livro, e que inicia a história, e exibir um tecido com aplicação em feltro do elefantinho cinzento, personagem que faz a pergunta, a plateia não esperou o personagem seguinte responder. Imediatamente responderam de forma uníssona que o amor era vermelho. Essa resposta foi sendo repetida cada vez que o elefantinho fazia essa mesma pergunta para vários outros personagens. Insistiram que a cor do amor era vermelha praticamente até o final da história quando muitas cores já haviam sido ditas. Finalmente, assim como o elefantinho cinzento, compreenderam que o amor pode ser de qualquer cor, que o amor é de todas as cores. Como também usei lenços coloridos, confeccionados em um tecido leve e transparente, ao falar das cores ditas pelos personagens, no final da história os lenços foram sendo jogados levemente para o alto de modo que houve momentos que mais de uma cor flutuava ao meu redor. Nesses momentos, os olhos de quem assistia a apresentação já não se voltavam para mim, silenciosamente, seguiam o preguiçoso movimento dos tecidos que se entrelaçavam, uns aos outros e entre si mesmos até caírem delicadamente ao chão. Acredito que delicadeza foi a palavra e o sentimento mais adequado, mais valorizado, o que mais se aproximou de tudo o que sentia e do que eu vivia.
Um belo início para uma contação de histórias que estava apenas começando e já revelava a participação efetiva e animada das pessoas que estavam ali dispostas a ouvir e compartilhar suas histórias, expectativas e experiências.
Entre uma história e outra houve improvisações minhas, comentários pertinentes deles, sorrisos espontâneos nossos. Uma grande festa onde nos misturamos do início ao fim. Sem cerimônias nos colocamos uns diante dos outros como em um reencontro, apesar de termos acabado de nos conhecer. Quanta alegria!
A história “O menino que colecionava guarda-chuvas”, de Alexandre Castro, fala de um menino que adorava guarda-chuvas e até os colecionava. As pessoas se perguntavam por que ele não preferia brincar com livros, carrinhos e jogos. Segundo ele, para brincar com o objeto era preciso ter muita criatividade. Enquanto conto, dramatizo cada uma das possibilidades que o menino encontra para transformar o guarda-chuvas e brincar pra valer: um guarda-chuvas pode ser uma espada, pode ser um pião, pode ser uma gangorra, pode ser uma guitarra, pode ser um gancho de pirata, pode ser uma bengala, pode ser um escudo medieval e também pode ser usado para apagar a luz antes de dormir.
Além de tentar adivinhar o próximo brinquedo que o guarda-chuvas poderia se transformar, no final da história eles continuaram tentando encontrar outras possibilidades, outras formas de brincar. Falavam animadamente que um guarda-chuvas também pode ser uma espingarda, pode ser um esconderijo, pode ser um instrumento musical etc. Era como se não quisessem que a história acabasse, sentiram-se instigados a usar a criatividade para também serem capazes de brincar com algo sem forma definida ou exclusiva, com algo que, como dizia o personagem: é preciso ter muita criatividade. Logo percebi que para aquela turma criatividade não lhes faltava.
Em cada uma das histórias contadas, falas improvisadas e material apresentado, as crianças não se contentavam em ouvir, elas se entusiasmavam com as histórias de tal forma que trouxeram para si a possibilidade de brincar com as palavras como se brinca com as coisas. Essa forma de dialogar com o outro e com a própria história me deixou extremamente à vontade para fazer da continuação da atividade momento leve, descontraído e alegre compartilhado com quem, de fato estava interessado em extrair daquele momento o melhor, o mais precioso, o real valor da interação com os outros.
Ao terminar a atividade muitas foram as crianças e os adultos que vieram falar com o Lucio e comigo, manusear os objetos da contação, querer saber quem os tinha feito e como se fazia. Durante todo o tempo em que ficamos na escola, se mostraram naturalmente curiosos, atentos, educados, atenciosos, gentis. Sempre prontos para nos ajudar, tanto mostrando alguma atividade que haviam feito, quanto carregando “nossas coisas” de um lugar para outro. Uma verdadeira festa que só foi interrompida quando percebemos que o tempo havia passado rápido demais e que o almoço já havia sido servido. Um almoço especial preparado e servido por Lourdes, Fátima, Neuza e Fafá, que não economizaram no sabor, no cheiro e na beleza da mesa posta. A animação de todos nós que cercamos aquela mesa e nos servimos fartamente, nos permitia dar continuidade aos assuntos iniciados em outros espaços e acrescidos de comentários sobre as apresentações feitas. O ato de comermos juntas fez-me lembrar de Madalena Freire: É comendo junto que os afetos são simbolizados, expressos, representados, socializados. Pois comer junto, também é uma forma de conhecer o outro e a si próprio. A comida é uma atividade altamente socializadora num grupo, porque permite a vivência de um ritual de ofertas. Exercício de generosidade. Espaço onde cada um recebe e oferece ao outro seu gosto, seu cheiro, sua textura, seu sabor. Sem dúvidas, a partir desse momento me senti diante de velho/as amigo/as, me senti em casa, sem pressa para seguir nossa viagem.
Fizemos o caminho de volta com uma leveza impressionante, observando a paisagem como se fosse a primeira vez que a víssemos, todas as conversas eram voltadas ao que acabávamos de vivenciar, aos detalhes que observamos, admirados com a grande generosidade com que fomos recebidos, da forma tão plena e convincente com que fomos tratados.
Sei que quando agradecemos nominalmente sempre corremos o risco de omitir algum nome, porém faço questão de nomear cada uma das pessoas que tive contato nessa escola. Só temos flores em forma de agradecimentos à Secretária de Educação do Município: Tarciana Carvalho Costa Ramalho. Diretora da escola: Aparecida Araújo. Vice-diretora: Ana Cleide. O/as Professor/as e Funcionário/as: Ana Roselia Gomes, Aparecida Carvalho, Betânia, Cosma, Faberlandia, Graça, Gilberlândia, Jessica, Júnior, Eluziana, Maria de Fátima Pedroza, Maria de Fátima, Maria de Lourdes Araújo, Maria de Lourdes Pereira Procópio, Philippe e Antônio Alves, Maria José Borges, Maria José Ferreira, Maria de Lourdes Pereira, Neuza, Rita, Selma, Socorro Guimarães, Veroneuda e Emília.
Voltarei! Sem dúvidas, voltarei!
Socorro Lacerda de Lacerda
Olho D’água II
Depois de percorrermos quarenta minutos em estrada de terra batida chegamos ao “Distrito do Socorro” popularmente conhecido como Barrocão. Ao avistarmos as casas com suas calçadas gastas, uma cena me chamou a atenção: vaqueiros vestidos com suas perneiras, guarda-peitos e chapéus de couro chato e redondo, de abas curtas e presos ao queixo pelo barbicacho. … Ler mais