Diamante: Uma Joia Rara I

A última cidade que planejamos visitar com o projeto “Conte lá que eu conto cá”, em nossa primeira etapa, foi a cidade de Diamante, localizada no sertão da Paraíba. Nossa proposta, enviada por e-mail, para a Secretaria de Educação foi recebida com extrema gentileza. Isso nos deixou muito felizes, principalmente pelo apoio que recebemos e o pedido para contarmos nossas histórias em mais escolas rurais do que costumamos contar em cada município.
Como chegamos até aqui cheios de histórias para contar e de animação e contentamento por termos vivido momentos de imensa alegria em experiências realmente transformadoras e enriquecedoras, embora cansados pela jornada já percorrida, estávamos muito animados e curiosos.
Para chegarmos até as EM Pedro Fortunato (Mata de Oitís) e EMPG José Antônio Barros (Barra de Oitís), dormimos na casa de amigos em um sítio no município de Boa Ventura que fica a poucos quilômetros da cidade de Diamante. Com acolhida tão calorosa e um farto café da manhã, saímos bastante cedo para garantirmos que não nos atrasaríamos, pois, na verdade, não sabíamos o tempo que levaríamos para chegarmos à primeira escola localizada no sítio Mata de Oitís.
Fizemos bem em sair logo cedo, o sítio ficava bem mais distante do que pensávamos e a estrada de terra não ajudou muito. A Escola Pedro Fortunato não está isolada como outras que visitamos, fica em um pequeno amontoado de casas com uma igrejinha ao fundo. O lugar é muito simples, tão simples quanto a escola que avistamos em primeiro plano. Está cercada por um retorcido e perigoso arame farpado e com piso de cimento queimado muito desgastado, revelando que a muito tempo o prédio não passava por uma reforma. O banheiro para uso de alunos e professores fica fora do prédio e em condições bastante inadequadas.
Logo nos convidaram para entrarmos e, apesar da carência do espaço, ficamos realmente felizes com a recepção e o que encontramos ao entrarmos.
No canto de uma das salas, organizado cuidadosamente, um “cantinho de leitura” bastante charmoso e convidativo. Esse cantinho estava identificado com letras grandes e coloridas, coladas na parede, alguns livros em cima de uma pequena mesa e um pequeno tapete com almofadas no chão. O carinho e cuidado com que aquele cantinho fora preparado era visível. Apesar do material demonstrar ter sido bastante usado, tudo estava muito limpo e organizado. A professora nos mostrava com o olho brilhando, orgulhosa de fazer dos momentos de leitura com seus alunos, momentos de festa e alegria.
Do outro lado da sala, organizado de forma igualmente cuidadosa, ficava o “Cantinho da Matemática”. Seus poucos e simples materiais davam uma dimensão do quanto as professoras se empenhavam em tornar acessível os parcos materiais de que dispunham, era visível o carinho com que faziam tudo aquilo. As crianças em volta, acompanhando nossa visita, se mostravam igualmente animadas e dando detalhes do que faziam e como utilizavam cada um daqueles “cantinhos”.
Entretanto, esses foram momentos posteriores a nossa chegada e apresentação. Para surpresa nossa, descobrimos que ali ninguém sabia de nossa ida a escola naquele dia. Isso mesmo! Embora nosso agendamento tenha sido feito junto à Secretaria de Educação do Município, com bastante antecedência e confirmada nossa ida ao sairmos de São Paulo, as pessoas que trabalham na escola não foram avisadas. Nosso desapontamento só não foi maior por termos sido recebidos de forma tão calorosa por professoras dispostas, animadas, acreditando que o que estávamos propondo era importante para todos que estavam ali. Segundo uma das professoras, erámos bem-vindos, principalmente por não criarmos a oportunidades de vivenciarem, na escola, momentos lúdicos e divertidos além dos que elas mesmas se propõem a fazer. “Gente de fora” para contar e ouvir histórias? Isso nunca havia acontecido por aqui.
A contação de histórias não ficou menos animada por conta desse contratempo, pelo contrário, reconhecendo que ali estavam crianças curiosas e inteligentes, fiz o melhor que pude e ainda tivemos tempo para relembrar, com um dos alunos, a brincadeira do “passa anel” que tanto brinquei em minha infância. Percebi, com bastante contentamento, que as crianças daquele lugar ainda não foram totalmente “invadidas” por brinquedos eletrônicos e individuais e encontravam tempo e disposição para brincadeiras coletivas, com elementos simples que encontravam em seu entorno.
Fiquei grata pela recepção das professoras e dos alunos, pelo café com queijo improvisado depois da contação de histórias (como não sabiam que íamos, foram correndo na casa de uma delas pegar algo para nos oferecer) e por perceber que a carência de material e de cuidado de órgãos exteriores à escola e seus funcionários não havia contaminado quem trabalhava ali. Pelo contrário, todo o cuidado e zelo que encontrei naquele espaço era visivelmente resultado das pessoas que cotidianamente se empenhavam para realizarem um trabalho sério com o compromisso de ensinar e educar da forma mais responsável possível.
Essa experiência nos fez refletir acerca do que poderíamos encontrar nas próximas escolas do mesmo município. Apesar da recepção calorosa de quem encontramos na Escola Pedro Fortunato, saímos um pouco decepcionados e reflexivos.

Escola Municipal de Ensino Fundamental Arlindo Batista Palitot

Montevidéo é o nome de um distrito da cidade de Conceição-PB. Sempre ouvi falar nesse lugar e, talvez pelo nome ser também de uma cidade de um país vizinho ao Brasil, me causou fascínio e vontade de conhecer. Antes do nosso projeto não tive a oportunidade e agora, após a dificuldade de agendamento e a superação dos percalços, fiquei muito animada para chegar até lá. Valeu a pena!

Fomos a tarde e estávamos sendo aguardados. Fomos recebidos com alegria e logo me senti a vontade, não parecia que pessoas, antes tão distantes e inacessíveis, fossem agora tão amigáveis. Uma boa surpresa e um desprendimento meu que já havia passado tudo “a limpo” e estava pronta para trabalhar, ouvir, contar, ler, observar e inventar histórias. Eu estava me sentindo leve, disposta e feliz.

Antes de começarmos nossa contação de histórias percebemos que as crianças já nos esperavam organizadas na sala de aula, prontas para nos receber. As cadeiras e carteiras estavam recuadas de modo a deixar um grande espaço ao lado da parede onde fica a lousa. Espaço ideal para nos organizarmos e espalharmos nossos “cacarecos”. Lucio se antecipou nessa organização com a ajuda de algumas crianças, enquanto eu ia conversando com os adultos que estavam no pátio da escola e queriam me perguntar sobre o projeto, me falar de como estavam contentes por estarmos ali, me mostrar espaços da escola e nos falar da reforma pela qual a escola havia passado recentemente.

A EMEIF Arlindo Batista Palitot está localizada a trinta quilômetros da sede do município de Conceição – PB. No mesmo lugar onde hoje ela está situada havia uma escola que funcionava em um “pequeno prédio construído no ano de 1951, em um terreno doado por Arlindo Batista Palitot e Maria Ferreira Ramalho Palitot, descendentes dos fundadores do distrito. Inicialmente a escola chamava-se Escola de Bom Jesus. Em 1985 a escola passa-se a chamar Escola Arlindo Batista Palitot em homenagem ao doador do terreno. Pelas condições precárias que estava o prédio, a administração municipal, no ano de 2017 resolveu investir em um novo prédio que desse aos alunos e funcionários mais conforto e condições adequadas de permanência em suas dependências no decorrer do período em que o espaço é utilizado. Entretanto, não houve uma preocupação em reformar o antigo prédio para garantir que a história de sua construção e as pessoas envolvidas fossem valorizadas como pioneiras da educação em um espaço e tempo onde a carência de escolas era muito maior que hoje em dia. Certamente há motivos para a não reforma que eu, alheia as questões burocráticas, não compreenda, entretanto como amante de uma boa história real ou fictícia e da própria história construída por homens e mulheres ao longo do tempo, penso ser extremamente importante a preservação da história material e imaterial de cada canto onde houve o empenho de pessoas que em seu tempo deixaram marcas como resultados de suas lutas e resistências. Sempre me questiono: – Para modernizar ou adequar algo ao presente é preciso realmente destruir ou abrir mão do passado?

Questões históricas a parte, nossa chegada a escola foi de um acolhimento singular. Foram muitas as manifestações de carinho. E o mal estar dos diálogos equivocados no decorrer do processo de agendamento para virmos a escola, já havia se dissipado.

Enquanto conversava com as pessoas, ainda no pátio da escola, uma tímida e simpática senhora se aproximou de mim e falou com voz meiga e tranquila que depois que terminássemos de contar as histórias precisava falar comigo. A correria para não deixar as crianças esperarem mais do que o necessário me fez esquecer momentaneamente aquela senhora e seu jeito manso de dizer que “precisava falar comigo.”

No decorrer do nosso trabalho, em uma sala iluminada por janelas de vidros, porta aberta e um piso claro e limpo, as histórias foram fluindo com muita naturalidade e as crianças foram se aproximando do tapete, onde eu estava, até chegar um momento em que eles não estavam mais a minha frente e sim ao meu redor. A partir desse momento as histórias iam sendo contadas, enquanto eu passeava pela sala não mais para reconhecer aquele espaço, mas para circular nele como se fosse a sala da minha casa ou aquele quintal de frequentes lembranças. Dizer que estava me sentindo em casa, não era modo de dizer, era a pura sensação de movimentar-me, olhar o outro, se deixar ser olhado, tocado, abraçado como em um lugar onde só pessoas próximas ou familiares tem essa intimidade ou necessidade de demonstrar carinho e desejar que esse carinho seja reconhecido.

Autoridades ou não, funcionários ou não, os adultos se misturaram as crianças para também ouvir as histórias e manifestarem suas sensações e emoções que me permitiam numa troca simbiótica do que eu também sentia. Essa troca só é possível quando a harmonia se estabelece e a liberdade se instala. Liberdade de poder chegar, falar e ser compreendida. De superar mal entendidos gerados fora do espaço onde se está e fazer essa liberdade chegar até onde esses mal entendidos possam ser desfeitos para se refazerem diferente do que poderia ter sido. Essa fala, talvez contraditória ao início do texto explica-se pelo fato da dificuldade de comunicação que tivemos para chegar até o município de Conceição/Pb. Porém, em nenhum momento permiti que questões de “bastidores” interferissem em meu trabalho e em meu modo de ver alunos e alunas como primordial, não apenas para o funcionamento das escolas, mas muito especialmente como fundamental para o estabelecimento de relações interpessoais respeitosas e verdadeiras. O aluno merece que, diante dele e para ele, estejamos inteiras, conscientes do nosso trabalho como forma de mostrar possibilidades para que possam extrapolar seus limites físicos, mentais e territoriais em busca dos seus sonhos e de uma vida melhor. Apenas a escola não basta para essa descoberta do que somos e do que desejamos ser, mas é ela primordialmente, pela sua função social e formação intelectual que deve abrir as portas para que seus frequentadores consigam ter um melhor entendimento do mundo onde vivem e da necessidade de se manterem firmes em busca de uma sociedade mais justa. Essa minha forma de pensar também foi encontrada em educadores e educadoras com os quais me deparei ao longo dessa viagem. Isso também muito me alegrou.

E aquela senhora que queria falar comigo depois que eu terminasse de contar as histórias? Agora havia lembrado dela e novamente fui invadida pela curiosidade de saber quem era e o que tinha para me dizer.
Não demorou muito e ela apareceu, tranquila como fora anteriormente, com um pacote entre as mãos e uma fala emocionada:

– Sou tia de Fátima Ramalho. Você lembra dela?

Embora não a conhecesse pessoalmente Fátima Ramalho, havíamos desenvolvido uma amizade virtual que muito me fortaleceu no decorrer e desenvolvimento do projeto. Seus comentários no blog contelaqueeucontoca.com.br, sempre foram extremamente simpáticos e animadores, me motivaram a continuar, me fizeram querer ser melhor.

A senhora continuou:

– Ela pediu para lhe falar que admira muito seu trabalho e que infelizmente não pode estar aqui para lhe ouvir e lhe cumprimentar. Por isso, ela me pediu para lhe entregar “isso”.
Segurei aquele pacote bastante emocionada pelas palavras que acabara de ouvir e pensei; Puxa vida, essa tal de internet é mesmo capaz de provocar emoção, estreitar laços, materializar respeito e admiração independente do lugar e da forma como isso se dê.

Não me contive e abri o presente ali mesmo. Era dois queijos coalho fresquinhos e convidativos para um belo lanche. Quanta generosidade, quanta delicadeza. Presentear alimento é um gesto extremamente significativo da importância do que se dá e para quem se dá. Na Paraíba e certamente em muitas outras partes do nordeste, quando recebemos alguém em nossa casa a primeira demonstração de uma boa recepção é oferecendo-lhe um bom e farto alimento. É na hora do lanche, nos arredores da mesa que as conversas ficam mais animadas e descontraídas, os afetos vão sendo demonstrados e o alimento torna-se um elemento fundamental para a confraternização e o estreitamento de vínculos. “A alimentação, além de uma necessidade biológica, é um complexo sistema simbólico de significados sociais, sexuais, políticos, religiosos, éticos, estéticos etc.” (Carneiro, 203). Além disso, preparar a comida que alimentará o convidado é uma forma extremamente prazerosa de dizer que o amigo ou amiga é bem-vindo. Por isso, acredito que não foi por acaso que o presente escolhido para me ser enviado foi o queijo, o alimento, o elemento agregador e vital.

Agora eu via Fátima tão próxima a mim como aquela senhora e aquele presente como demonstração do carinho mais genuíno.

Mais que nunca, saí dali compreendendo que é justamente na simplicidade das coisas, dos atos, da demonstração de afeto e cuidado que grandes transformações podem acontecer. Transformação no jeito de ver as pessoas a sua volta e, por que não, aquelas que ainda são virtuais, como responsabilidade sua, do que você diz e do que você cala como exemplo do que você quer que seja ou que se transforme essa sociedade tão desigual e suas posturas incoerentes.

Não foi apenas aquele alimento que me fortaleceu naquele dia e nos próximos, foi na verdade a delicadeza e o carinho com que ele e todos os sorrisos e abraços se manifestaram para me dizer que é no contato com gente de verdade que crescemos, nos fortalecemos seguimos confiantes em busca da realização dos nossos sonhos.

Obrigada a todos e um grande abraço!

Socorro Lacerda de Lacerda

EMEF Ana Figueiredo – Comunidade do Cardoso. Conceição-PB

Vir até o município de Conceição-PB, distante 2.542 km de nossa casa, significava, além do desejo de contar histórias em algumas de suas escolas da zona rural, também uma questão afetiva. Essa é a cidade onde Lucio (meu marido e também idealizador do projeto Conte lá que eu Conto cá) nasceu. Em nossas férias, ainda com os filhos bem pequenos, a cidade sempre esteve em nosso roteiro de viagens. Eram momentos preciosos de encontros com pessoas queridas, parentes próximos ou distantes, conversas descompromissadas com pessoas que íamos encontrando pela rua quando tentávamos aguçar a memória de cada uma delas em busca de lembranças do tempo dos nossos pais e dos nossos avós.

Por isso e pelo desejo de nos encontrarmos de uma forma “diferente” com a cidade e sua gente é que levar nosso projeto ao município de Conceição sempre foi dado como prioridade, como algo quase divino, indispensável. Nosso desejo latente de trazer para crianças da zona rural, momentos de alegria, contentamento e demonstração de que a leitura é o caminho para o real e o imaginário, nos leva inevitavelmente a querer compartilhar essa experiência em lugares que nos são caros.

Confesso, porém que não foi uma tarefa fácil entrar em contato com as escolas do município de Conceição-PB para agendarmos nossa visita. O caminho até a Secretaria de Educação foi tortuoso, cheio de desencontros de informações, telefonemas que não eram atendidos, e-mails que não eram respondidos, “nãos” ditos sem que nosso projeto fosse conhecido ou compreendido. Nossa insistência em continuar buscando contatos e desejando que nossa ida se concretizasse, não era apenas uma questão de benevolência pelo bom trabalho que acreditávamos estar fazendo, era também, e, muito especialmente, para tentarmos compreender como as informações chegavam até determinados órgãos e secretarias e quais eram as prioridades em relação à educação. Não estamos querendo dizer aqui que nosso projeto é indispensável, porém tentávamos compreender porque nossa comunicação não chegava até onde deveria. Quem filtra as informações? Quem julga se um projeto deve ou não deve ser aceito? Quem seleciona o que deve ou não ser prioritário?

Depois de muita teimosia, insistência, amigos tentando abrir canais de comunicação entre nós e a gestão municipal, contatos sendo buscados fora da secretaria de educação e da direção das escolas, enfim, uma série de acontecimentos e intermediações extremamente desnecessárias, caso houvesse um canal de comunicação aberto e respeitoso com quem pretende apresentar seus projetos, suas ideias, suas sugestões e mais que isso, sua intenção de colaborar para a qualidade da educação tantas vezes negligenciada por burocracias e falta de apoio efetivo. Nossos esforços e a ajuda de alguns amigos fizeram valer a pena e chegamos às escolas rurais do município com nossa mala carregada de histórias e nosso desejo cada vez mais latente de encontramos crianças que nos ouvissem e que fizessem dos livros que presentearíamos, objetos sedutores capazes de lhes imprimir as viagens necessárias para o mundo que desejam encontrar.
A primeira escola para onde fomos foi a EMEF Ana Figueiredo, na Comunidade do Cardoso. Um pequeno aglomerado de casas, com destaque para a casa grande e uma singela igrejinha recém pintada e muito bem cuidada. Impossível não direcionar o olhar para aquele lugar tão singular. Só as pessoas nos rodeando e alardeando nossa chegada nos fizeram perceber que já nos esperavam ansiosamente.

A escola é bem pequena, poucos alunos e muita curiosidade. Uma professora empenhada em fazê-los se comportarem bem. Por outro lado, eu tentando me aproximar de cada um deles e desejando que seu bom comportamento fosse não se calar diante das dúvidas, nem se retrair diante do desconhecido.

Enquanto organizávamos nossos materiais, dentro de uma sala de aula acompanhados pela professora, e curiosos na janela, entreguei propositalmente a um aluno uma máquina fotográfica e pedi que fotografasse o que mais gostava na escola. Minha intenção era descobrir e compreender o que, naquele lugar, era precioso para um aluno que talvez nunca tivesse sido estimulado a fazer uma observação cuidadosa daquele espaço, que deve representar conquistas significativas. O aluno saiu orgulhoso por portar o objeto desejado por outros colegas e foi pela escola seguido por outras crianças que tentavam influenciá-lo sobre o que deveria ou não fotografar. Os registros fotográficos foram extremamente significativos para me fazer compreender, o que, naquele espaço tão especial, chamava a atenção dos alunos e das alunas. Lousa com atividades escritas, um cartaz com envelopes colados e intitulado “Correio dos desejos”, uma estante amontoada de livros e objetos diversos, as merendeiras preparando o lanche, a placa com o nome da escola, as mesas do pátio ainda vazias, um filtro de barro e sua caneca de plástico à disposição de quem precisasse matar a sede, um relógio e um calendário confeccionados em cartolina, provavelmente pela professora.

Outros alunos e alunas também receberam a mesma tarefa: fotografar o que mais gostavam na escola. Coincidência ou não os registros foram muito parecidos. Objetos, cantinhos da escola e da sala de aula, pátio, atividades fixadas nas paredes. De gente em destaque, apenas as merendeiras que preparavam para o lanche um delicioso cachorro quente. Chamou-me a atenção o reduzido número de pessoas fotografadas, uma leitura conflitante de que escola se faz com gente nos espaços, nos caminhos, no entorno.

No decorrer da atividade, chamou-me a atenção o grande número de convidados para a audição das histórias. Nossa intenção sempre foi contar histórias para as crianças da forma mais simples, mais natural, deixando a liberdade fluir nas intervenções entre a contadora e os ouvintes e tentando não sair da rotina da escola. Aqui foi diferente, autoridades, convidados, mães, uma grande plateia formada mais por pessoas que não estão no cotidiano da escola do que pelos que fazem rotineiramente o trabalho com as crianças acontecerem. Isso me chamou a atenção. Diante da dificuldade que enfrentamos em relação à comunicação e ao agendamento para estarmos aqui, certamente queriam “desfazer” mal entendidos e mostrar que nos recebiam com satisfação. Que bom!

Não foram essas pessoas que me moveram a fazer a contação de histórias o melhor que pude, foi, na verdade, o pequeno número de crianças que, curiosas e atentas sentaram-se a minha frente para ouvir, falar, mostrar o que sabiam e revelar o quanto é preciso priorizar a leitura nos mais diversos momentos do cotidiano da escola. Como vimos em pesquisas anteriores, comprovada em nossa experiência de “caminhante”, 95% das escolas rurais não tem biblioteca ou sala de leitura, porém 75% delas conta com um pequeno acervo conseguido ou através de programas do governo, ou de doações. Isso significa que as professoras e professores não tem a oportunidade de escolher os títulos que a escola receberá. O uso que se faz desses livros é o grande diferencial para o trabalho com leitura. Cantinhos de Leitura, livros expostos em varais pendurados na sala de aula, banca de livros no pátio, panôs com bolsos transparentes para expor os livros, cortina de livros, livros dispostos em tapetes etc. Estas foram algumas das formas em que vimos as professoras e professores disporem do acervo para que alunos e alunas tivessem contato com os livros sem que esse contato se transformasse em um evento cada vez que um livro fosse usado. A leitura cotidiana, a contação de histórias, o livro sendo manuseado, olhado, lido, compartilhado, experienciado em suas várias formas de ler a palavra e a imagem é o que deve ser rotina. Livros encaixados cuidadosamente para que as crianças não rasguem, não sujem, não desapareçam com eles, não se prestam ao seu papel fundamental que é o de formar leitores e fazer deles pessoas que se reconheçam no que veem e no que leem, além do que apenas as palavras ditas ou contadas os fazem imaginar.

As brincadeiras no final da atividade foram muito prazerosas. Prazeroso também foi conversar com as pessoas que estavam presentes e que, para nossa alegria, procuraram conhecer um pouco mais sobre o projeto Conte lá que eu Canto cá, conversar com as crianças e falar sobre os livros, os brinquedos, as brincadeiras e os objetos dispostos em nossa colcha de retalhos.

Finalmente, fui até a igrejinha e, na lateral de uma casa simples, me aproximei de um jovem senhor que debulhava milho e jogava para as galinhas que se aproximavam fazendo um barulho com sons agudos e bater de asas frenético. O sorriso largo e as palavras de boas-vindas me deixaram à vontade para sentar ao seu lado e começar uma conversa a respeito das chuvas, das pequenas plantações, do milho colhido para alimentar os animais e garantir pamonhas e canjicas para as festas juninas. Fui embora daquele lugar com uma vontade danada de continuar aquela conversa. Enquanto as galinhas ciscavam para bicar a maior quantidade de milho, alunos e alunas se preparavam para voltarem para suas casas em caminhonetes com coberturas improvisadas. Enquanto eu, olhando o entorno e me despedindo daquele jovem senhor, pensava silenciosamente: a escola está aqui nesse terreiro e é preciso ensinar a ler cada uma dessas pessoas, desses animais, dessa terra batida e curtida pelo sol, dessas cercas de varas secas e levemente curvadas, dessa casa grande que já deve ter abrigado tantos moradores que saíram em busca de vidas melhores, do som dos bois e seus chocalhos que eu ouvia ao longe, das pedras que rolavam aos pés descompassados dos andantes e a tantas outras expressões que se apresentavam pedindo para serem lidas, vivenciadas, tocadas, experimentadas, levadas consigo na memória de cada um que por ali passava ou vivia, para se transformar em vida e em desejo de se viver de forma digna.

A escola estava bem diante dos meus olhos sem que ainda tivesse sido descoberta. Paulo Freire deve ter passado por ali quando pensou na importância da leitura de mundo. Uma leitura que não está em caixas nem em livros, mas que deve ser igualmente estimulada.

Nesse dia, li e reli aquele espaço como quem lê a própria vida desencadeada pelo olhar do estrangeiro, como quem chega em um lugar desconhecido e descobre que tudo aquilo lhe é tão familiar.

Em mim a alegria se fez presente, pois, naquele dia, minha leitura havia extrapolado minha contação de histórias.

Socorro Lacerda de Lacerda

EMEIF Maria Bernadete Albuquerque da Costa e EMEIF José Bráz do Nascimento – Café do Vento – Passagem/PB

O povoado de Café do Vento, distrito de Passagem-PB, parecia perdido no tempo. Um pequeno amontoado de casas e um silêncio que nos permitia ouvir os sons da natureza. A Serra do Firmiano, que aparece em destaque ladeando o povoado, é um irrecusável convite para um olhar cuidadoso de contemplação e magia. Nesse momento compreendemos a importância do silêncio naquele lugar. Para que palavras, se tudo o que está diante de nós é suficiente para aguçar todos os nossos sentidos e sentimentos, nos enchendo de um contentamento inexplicável e um desejo de continuar admirando a grandiosidade da serra, o cantar dos pássaros e o vento manso e contínuo que inspirou o nome do povoado? O silêncio basta, assim como basta o olhar vagueando sem pressa.

O silencio só foi interrompido quando as pessoas começaram a chegar à escola para onde deveríamos ir. Que barulho bom de se ouvir: crianças e adultos anunciando sua chegada com falas animadas, chamados eufóricos, indicação do caminho para nos mostrar a escola, sua organização em salas, em espaços abertos e claros, em cantinhos convidativos para leitura, bandeirolas verde e amarelo que as crianças nos faziam entender como uma “copa junina” e um vai e vem de gente curiosa e disposta a nos deixar muito à vontade. Tudo o que estava ali exposto era uma maneira explícita e carinhosa de dizer que éramos bem-vindos. Nos sentimos em casa e cheios de contentamento.

Toda a atenção que nos deram antes, permeou nossa permanência na escola até o final de nossas atividades quando nos presentearam com personagens de Monteiro Lobato confeccionados em garrafas pet como resultado de um projeto de leitura desenvolvido na escola.
Alunos e alunas fizeram uma delicada apresentação dos livros que já leram ou estavam lendo, a cortina da leitura, ao fundo, era mais um elemento que mostrava o quanto a escola priorizava a leitura como fundamento para uma educação arraigada na liberdade e na possibilidade de apresentação de um mundo fantástico que extrapola a realidade como apropriação para transformá-la, se assim desejarem.

Experimentei ali a mais pura expressão de alegria através de largos sorrisos e da generosidade no acolhimento e na satisfação de conhecer cada cantinho da escola especialmente cuidado para alunos e alunas se apropriarem como seu e fazerem bom uso de tudo o que estava ali à disposição de todos. De certa forma, também me apropriei de tudo. Quis olhar atentamente cada sala de aula e seus coloridos painéis e cartazes resultantes de trabalhos desenvolvidos naquele espaço, cada objeto confeccionado com sucata, com materiais diversos que se tornariam lixo se não fossem mãos hábeis e criativas de professores e professoras que viam além do que estava ali exposto, que tiravam de dentro de cada objeto descartável ideias coerentes que se transformariam em estímulos para o conhecimento e a aprendizagem. O amplo corredor que separa as salas de aula deixava naturalmente de ser um corredor para se transformar nos espaços das brincadeiras e encontros, na ligação entre espaços que merecem ser explorados e apropriados. Em todos os cantos, em todos os lugares, expressões genuínas de gente que pensa e faz da educação momento intenso de doação e de troca capazes de promover um crescimento ímpar em cada um daqueles que tem oportunidade de participar de uma convivência harmoniosa e carregada de disposição para que as coisas deem certo.

Fotografias diversas, conversas entrecortadas pelo medo de não dar tempo de dizer tudo o que se pensava, o que se desejava. O compartilhar do que faziam e do que falavam em suas várias visões de mundo e dos tempos diversos para o fazer de cada coisa de acordo com quem o fez e suas histórias de vida ajudando na apropriação do conhecimento como algo extremamente particular e belo. Ao mesmo tempo em que era um grande grupo de alunos e alunas, professores e professoras, coordenadores, diretor e demais funcionários se mostrando inteiro, era possível ver particularidades respeitadas, individualidades incentivadas pelo valor reconhecido de que não somos iguais e por isso mesmo merecemos ser tratados em nossas diversidades.

Nessa escola e com pessoas tão especiais e competentes, mais aprendi que ensinei, mais me emocionei que provoquei emoção. Levei comigo o mais absoluto sentimento de que educar é mais que “transmitir conhecimentos”, é trocar saberes, emoções, sensações. É não ter medo de experimentar, de ousar, de enfrentar os desafios como parte do cotidiano que te faz crescer e repensar novos caminhos e novos desejos. Principalmente, experimentar certezas e dúvidas como parte de um processo que, felizmente, está longe de terminar.

Como se tudo isso não bastasse, ainda fomos pegos pelo estômago com o cheiro de café passado na hora e uma tapioca deliciosa compartilhada com quem fez e com quem desejava aprender a fazer para deliciar-se posteriormente na tentativa de voltar ao tempo da degustação como um tempo do encontro de agora.
Parabéns pelo trabalho de todos!
Obrigada pela acolhida, nosso desejo é de muitos outros encontros.

Socorro Lacerda de Lacerda

Escola Municipal de Ensino Infantil e Fundamental Maria Quitéria

Pequena, charmosa, limpa e com funcionários e funcionárias para lá e para cá tentando deixar a escola ainda mais bonita. Foi assim que observamos a escola Maria Quitéria, logo ao chegarmos em seu hall de entrada. Diretora, professores e professoras, coordenadores e algumas crianças estavam agitadas, descalças, carregando bandeirinhas coloridas e tecidos de chita floridos. Estavam contentes e animadas tentando fazer uma decoração para a festa junina da escola. Todas as pessoas estavam na mesma condição e com o mesmo objetivo, a hierarquia que em tantos lugares fica visível, com autoridades querendo permanecer fechadas em suas salas como destaques, aqui estava diluída no desejo de que tudo acontecesse da forma mais prazerosa possível. Só soube o cargo de cada uma daquelas pessoas mais tarde, quando me apresentei e gentilmente também se apresentaram e foram carinhosamente me mostrar a escola. Fiquei surpresa por perceber que toda aquela organização não se dava de forma isolada ou devido à grande festa junina que se aproximava. Todos os espaços da escola eram tratados com muito carinho e cuidado. Salas de aulas com bonitos painéis relativos a atividades desenvolvidas com os alunos e alunas e cantinhos de leitura cuidadosamente preparados. No pátio esse cantinho era organizado por um grande panô com bolsos em tamanho suficiente para serem colocados livros diversos. Também tinha uma brinquedoteca que, apesar dos poucos recursos, estava organizada e pronta para ser usada. A sala da diretora era organizada o suficiente para que a escola funcionasse: além de uma pequena mesa onde ela trabalhava e atendia às pessoas, pelos cantos da sala era visível a inúmera quantidade de materiais diversos. Livros, pastas, materiais de alunos e prendas para a festa junina. A referida sala era o retrato de quem a ocupava: acolhedora de gente e de coisas, de portas abertas a quem quisesse ou precisasse entrar, pronta para servir ou ser servida.
O pátio da escola era amplo e claro. De seu interior era possível observar uma deslumbrante vista das serras que ladeiam a cidade e um pequeno açude que estava cheio, para alegria de todos. A paisagem me encantou e por algum tempo fiquei observando cuidadosamente aquele verde, aquelas águas, aquelas casas simples e aparentemente aconchegantes. O som ao fundo, ficava por conta do barulho de algumas crianças que vinham chegando e dos adultos que opinavam sobre onde ficaria melhor determinado adorno.
Como chegamos cedo, não nos demos conta de que o tempo foi passando rapidamente e mal percebemos a transformação que a escola e as pessoas foram sofrendo. Já não vimos mais as pessoas descalças e animadas correndo de um lado para outro. Sem que percebêssemos, a decoração havia sido feita e as pessoas tinham tido tempo de ir até suas casas trocarem de roupa e se prepararem para se mostrarem para o evento do qual participaríamos. Abrimos as malas com nossos pertences e os espalhamos em nossa colcha de retalhos para curiosidade de todos e alegria nossa, por percebermos que não se contentavam apenas em nos olhar naquele espaço: perguntavam, queriam saber e também falavam de suas experiências. Algumas crianças e professores que estudam e trabalham no primeiro turno foram convidadas e também estavam lá. O piso que havia sido lavado a pouco tempo foi o lugar ideal para se acomodarem e ouvirem as histórias que eu contaria.
Cada história contada era ouvida atentamente, participaram, se encantaram. Todos faziam questão de demonstrar a satisfação que sentiam por estarem ali. Todo o tempo em que ficamos na escola nos sentimos acolhidos, respeitados, admirados. Não houve contratempos nem indiferenças. As mesmas pessoas que corriam em nossa chegada para deixarem a escola bonita, também corriam agora para não perderem nenhuma palavra do que falávamos e do que ouvíamos. O colorido da decoração da escola que se preparava para a festa junina se misturou ao colorido dos tecidos e dos vários objetos espalhados pelo chão que eu havia usado anteriormente. Mais colorido ainda, eu enxergava nos olhos ativos e altivos das crianças de várias idades, de vários jeitos de se comportar, das várias maneiras de se expressarem diante dos outros.
Os mesmos materiais que costumávamos deixar à disposição de todos, após contarmos as histórias, foram utilizados pelas crianças para criarem outras histórias, em que, diferente das que eu havia contado, os personagens se misturavam em uma mesma história para dar conta de tanta imaginação. Uma ocarina ia além do som que produzia e virava um colar que enfeitava a princesa, agora “real” que saíra dos contos inventados e contados por quem tinha se apropriado da tal peça. Piões rodopiavam pátio afora em verdadeiros bailados, sincronizados ou não, pouco importava, pois o que valia mesmo era a disposição que cada criança exibia para fazer girar por mais tempo seu pião, transformar em mais herói seu personagem, mais bela sua princesa, mais amigos os já amigos que se deliciavam em suas trocas pelos brinquedos e objetos que logo se transformariam em novos objetos que outros ainda não tinham percebido que habitavam ali.
Uma delícia de se ver, uma maravilha de se experimentar, em tão pouco tempo, o ir e vir entre o real e o imaginário. Só crianças curiosas e atentas podem te levar sem que você se dê conta de que tudo já estava ali, nós adultos, não nos permitimos sair do óbvio, do racional. Que pena!
Quando íamos saindo da escola, já com os materiais no carro, a diretora Valmira, pediu que esperássemos um pouco. Fiquei surpresa ao descobrir o motivo da espera: a pedido da diretora, o coordenador foi até a pequena padaria da cidade para nos oferecer os produtos ali fabricados. Como ela mesmo disse, produtos da terra, feitos ali mesmo para serem consumidos pelos moradores. Isso me emocionou. Me senti privilegiada por nos presentearem com algo tão particular: pães, bolachas e biscoitos de diversas formas e sabores. A sacola simples não dava conta de conteúdo tão significativo. Pouco nos importava o valor das iguarias, pois o que estava mesmo colocado diante de nós era o carinho e a alegria de nos fazerem sentir em “casa” e levar conosco um pedacinho do sabor daquela terra.
Que delícia!

Conte Lá Que Eu Conto Cá
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