A aprendizagem e o desejo de aprender

Depois de momentos intensos de falar, ouvir, brincar e me emocionar com as palavras e os gestos revelados durante todo o tempo da contação de histórias na EMEIEF Joaquim Ribeiro de Almeida, leveza e gratidão é o que sinto, principalmente por conhecer crianças tão atentas e curiosas e adultos tão comprometidos com o que fazem. Alegria em compartilhar meus saberes e aprender tanto, embora em tempo tão curto, pois na verdade minha vontade era ter ficado mais um pouco, para me contagiar ainda mais de toda a vida que brota e que se revela naquele espaço.

Um dos objetos que usei para “encantar” um pouco as crianças, entre uma história e outra, foi um Kusudama – técnica de origami modular japonesa, montado a partir de peças dobradas individualmente. O que apresentei, além de ser tridimensional, pode ser manuseado com movimentos circulares, o que dá a ideia de possuir um número maior de cores do que realmente tem. Só em manusear o kusudama com sua circularidade e exuberância (escolhi seis cores diferentes nessa composição), já provoca um misto de admiração e curiosidade. Inevitavelmente, quem observa faz cara de admiração e espanto, deixando escapar expressões de surpresa e encantamento: querem saber como é feito, como funciona, pedem que eu os ensine a fazer, tem dúvida sobre se conseguem fazer. São muitas as perguntas e os desejos de conseguir construir aquele objeto tão sedutor.

Depois das contações e já na hora do intervalo, como de costume, deixamos que as crianças brincassem com todos os objetos que usamos na contação. Como esperado, o kusudama não foi esquecido, nesse momento, até algumas professoras quiseram saber da possibilidade de que eu lhes ensinasse a fazer o origami. A mais interessada e curiosa era a professora Naiane, que, embora se animasse por eu ter falado que vinha em outro momento para lhes ensinar, não se contentou com essa promessa e me fez uma proposta “à queima roupa”:

– Você não pode ensinar agora? A próxima aula é de Artes e posso falar com o professor Leandro para fazermos juntas na aula dele!

Naquele dia faríamos apenas a contação de histórias da manhã e naquela escola. Sem nenhum compromisso para o período vespertino, não hesitei e topei ficar ali mesmo. Saber que as pessoas se interessam pelo que levo, mostro, conto, compartilho é, para mim, uma satisfação tão extraordinária que não me canso de ir ficando além do tempo combinado.

Não demorou muito e tudo ficou resolvido: o professor Leandro aceitou usar a aula dele para isso, os estudantes adoraram a ideia e a professora, feliz da vida, foi perguntando que materiais usaríamos para a construção.

Como não tinha papel colorido a proposta foi fazer usando o sulfite branco, a ideia era aprender a dobradura e a montagem, conseguiriam os papeis coloridos em outro momento e quando fossem fazer pra valer. Ali era o início da aprendizagem, a possibilidade da construção, o desejo de materializar o objeto que chamara tanto a atenção. Bastava eu falar de determinado material para Leandro e Naiane aparecerem com ele imediatamente, parecia mágica! Papel, régua, tesoura, cola, estilete e um pedaço generoso de papelão para forrarmos a mesa e evitar que o corte com o estilete a marcasse.

Foi um movimento bonito de se ver, cheio de energia e disposição, quereres e fazeres acontecendo ali em minha frente, enquanto eu, maravilhada com tudo aquilo, me sentia energizada pela valorização que deram a um objeto que inicialmente seria usado apenas para ajudar na concentração dos ouvintes, entre uma história e outra. Que contentamento estar ali, participando de um fazer educativo tão expressivo. Como seria valoroso que mais momentos como aquele acontecessem em sala de aula, que o desejo de saber se revelasse em atividades coletivas produtivas e belas.

Trabalhamos com turmas de 2º e 3ºs anos. Cada pessoa que estava ali naquela sala recebeu um quadrado de papel de 15cm X 15cm, eu fiquei com um papel maior, de 20cm X 20cm, para aumentar a visibilidade das dobras que eu ia fazendo. Assim, fomos dobrando e redobrando o papel nas marcas indicadas. Como esperado, as habilidades foram se revelando: alguns dobrando com desenvoltura, outros finalizando a dobra e ainda, aquelas que não conseguiam, mas não desistiam, contaram com a ajuda mútua, que foi diluindo as dificuldades apresentadas. Depois de um tempo de tentativas, erros e acertos as 48 peças necessárias para cada kusudama estavam dobradas. Agora era o momento da montagem e o tempo já tinha passado demasiadamente. As quarenta e oito peças seriam utilizadas para construir oito rosetas que se interligariam para compor uma só peça.

As crianças fizeram um círculo em torno da mesa onde eu estava, enquanto eu fui montando duas das rosetas para que entendessem o processo das demais, pois a partir das duas montadas elas só replicariam o mesmo passo. Foi bem apressado esse processo, a vontade era que houvesse tempo para montar tudo. Deixei com a professora o passo a passo das dobras numa sequência de papéis que, acredito, os ajudaria a lembrar do passo a passo.

Embora não tenha deixado um kusudama pronto a partir das peças que dobraram, saí dali com uma deliciosa sensação de ter compartilhado com todos e todas momentos de um trabalho coletivo raro, movido pelo desejo de experimentar, fazer acontecer, colocar a mão na massa como parte potente de um trabalho que jamais aconteceria de forma individual, em tão pouco tempo.

Neste sentido avalio o quanto a educação perde por não ousarmos vivenciar momentos em que o real supera o planejado e o desejo de aprender foge de regras pré-determinadas em planejamentos burocráticos. Não foi o kusudama ser construído ou não o mais importante, foi a intensidade do vivido naqueles momentos em que ficamos juntos, a tentativa de feitura do kusudama, o processo inspirado no que se via para a construção do que se desejava. Não é à toa que falo tanto em desejo, acredito que é esse sentimento que move a educação em sua essência de dialeticidade, num processo que mais importa a forma como se constrói os saberes do que o saber, se este não servir como elemento para uma próxima aprendizagem.

O desejo na educação é fundamental para que a aprendizagem se dê efetivamente, sem bloqueios e sem censura. É o desejo quem impulsiona a aprendizagem na construção do conhecimento que traz significado e significância para quem participa intrinsicamente do processo de ensinar e aprender, sem a superficialidade de conteúdos programáticos apostilados ou preparativos para avaliações externas à unidade escolar. O verdadeiro conhecimento não é aquele que serve para provar algo a alguém, mas aquele cuja aquisição dá sentido a vida de quem deseja continuar aprendendo.

Agradeço imensamente a professora Naiane e ao professor Leandro pelo convite de “ir ficando na escola” além do tempo planejado e por terem me presenteado com a rica experiência de conviver com pessoas curiosas, ousadas, criativas e desejosas da aprendizagem vivida intensamente e movidas pelo já dito desejo de conhecer a tecitura das coisas como valorização da leitura do mundo.

Um abraço afetivo e saudoso de quem deseja viver outros momentos tão encantadores como esse.

Socorro Lacerda de Lacerda

 

  1. Neste link vocês encontrarão um tutorial para a construção de um Kusudama: https://youtu.be/LGtklPtwWRY?si=NhuvFuPrnLibk9rM.

***

Eu, nesta escola, fiquei só observando o andamento das contações que a Coquita estava fazendo com as crianças. Quando ela terminou de contar história, a professora Naiane propôs que ela ensinasse aos alunos como fazer o famoso kusudama. Gente, vocês não têm ideia da alegria das crianças quando ela aceitou, foi uma festa. Continuei acompanhando os trabalhos e fiquei admirado com a atenção das crianças, conversei muito com o professor Leandro, que estava muito entusiasmado com tudo que estava acontecendo. Depois, fomos tomar um café juntos e o professor me perguntou por que nós não cobrávamos por este trabalho. Eu respondi que, como educadores que fomos a vida toda, não tinha sentido cobrarmos por uma coisa tão importante. O projeto foi criado com um objetivo, levar educação para os mais carentes aonde as coisas chegam por último, quando chegam. É isso, pessoal, esse projeto é tudo que eu e Coquita sonhávamos, ele nos completa como pessoas e, querendo ou não, aprendemos muito com essas viagens maravilhosas.

Lucio Lacerda

 

 

Um comentário em “A aprendizagem e o desejo de aprender

  1. Que dia especial!
    Que projeto maravilho e abençoado.
    Agradeci tanto por esse “encontro”…
    E agradeci como educadora que sou mas principalmente como ser humano…pois vocês abrilhantaram não só os olhos das crianças mas também os nossos que por vezes se apagam diante de tantas burocracias e problemas.
    Um abraço imenso e que Deus permita que esse caminhar transcenda por muitos e muitos anos….
    O chão da nossa escola se tornou mais feliz depois da passagem de vocês por lá e o meu coração mais esperançoso e grato. ❤️

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