Comunidade Quilombola Paraguai

“A Comunidade Quilombola Paraguai, pelo que nossos antepassados falam, era só mata e vieram os escravos que fugiram da escravidão e se refugiaram aqui nas matas e pelo que meus avós falam, antes aqui não tinha limite de cerca de nada, era tudo junto, todo mundo podia criar animal e plantar, só que no decorrer dos anos vieram os fazendeiros e hoje nós estamos bem apertados, limitados mesmo. Aqui, essa área da escola, por exemplo, é uma área que tá na mão dos fazendeiros, os arredores todos são dos fazendeiros. Nós somos uma comunidade que tem 60 famílias e, dentro dessas 60 famílias, nossa área está bem limitada, mas nós estamos na luta, buscamos pelos nossos direitos e vamos ver se nós conseguimos nossos direitos quilombolas. Nos últimos anos está mais difícil ainda.” (Depoimento – Neuzelia Marques de Matos )

Essa fala da professora Neuzelia me fez pensar como a luta pela terra, mesmo que esta já lhes pertença de fato, ainda necessita de uma longa jornada para que se viva esse direito. Historicamente, os donos da terra eram quem podia mais, quem tinha condições de fincar sua estaca e delimitar seu território independente de a quem pertencesse determinado pedaço de terra. Continua sendo até hoje com os que se acham donos do poder ou confiantes na impunidade. Diferente disso, quando os antepassados da professora Neuzelia chegaram aqui, onde vivem até hoje, as terras ainda não tinham dono.

Depois de ouvir esse depoimento fiquei bastante curiosa para saber como, uma pessoa que tem luta tão desafiadora pela terra que pertenceu aos seus antepassados, lida com uma turma de alunos que também mora na comunidade que antes pertenceu a seu povo sem limites de cercas. A monitora Nagila Matos Cunha, (sua prima) e a grande maioria dos alunos é da própria comunidade.

Ao nos acomodar em uma sala da escola, contei minhas histórias, conversei com os alunos, fui ao “terreiro” da escola brincar com as crianças e tomei um café com os famosos biscoitos mineiros que nos foi servido em um recipiente coberta com um paninho “alvo” que só vendo. Ainda tive tempo de apreciar o florido jardim que fora plantado com cuidado e delicadeza.

A luta de sempre daquela comunidade não tirou a alegria de ninguém, todos estampavam no rosto moreno um sorriso escancarado e a inquietação de olhos que saltitavam curiosos tentando adivinhar qual era o som produzia pelos instrumentos que eu manuseava (usei apitos com sons de pássaros para contar algumas histórias), ou que brinquedo era aquele que ao fazer girar provocava um som estridente e cadenciado (eles não conheciam o rói-rói – brinquedo nordestino). A festa daquele momento se contrapunha a luta cotidiana para se viver com dignidade. A mesma luta que extrapola a questão da terra e invade outras questões sociais, relacionadas a escola e a reclamação pelo funcionamento efetivo do posto médico, anexo a escola.

Além de todas essas questões, um acontecimento fascinante percebido na Escola Enedina Alves Brandão foi que as crianças contavam histórias que ouviram dos pais ou dos avós. Mesmo identificando o uso de celulares com algumas crianças o costume das histórias contadas, em algumas famílias, ainda permanecem. Uma dessas histórias que muito me encantou foi contada a aluna, Ana Lara, por seu pai.

Alunos uniformizados, educados, prontos para nos receber de forma calorosa e dispostos para nos mostrar as brincadeiras que sabiam e comentar as histórias que ouviram de mim. Pediram para manusear e brincar com os materiais que usamos, nos mostraram os cartazes que haviam feito e decoravam a sala de aula, os livros que tinham em uma estante no canto da sala, tudo com uma alegria contagiante.

Foi difícil sair dali, ainda mais quando a professora Neuzelia falou que depois que saísse da escola ela, junto com sua família, iam colher hortaliças e preparar temperos para vender na feira livre que aconteceria no dia seguinte na cidade de Felisburgo. Lamentei não poder ir junto fazer a colheita. Seria uma excelente oportunidade de vivenciar o cotidiano de pessoas que tirar da terra o produto como resultado de um trabalho árdua em terra que ainda não têm garantia de ser de quem está produzindo alimentos que lhes servem de sustento. Adoraria sentir o cheiro daquela terra perfumada pelas ervas daquela colheita, pela terra molhada com água vinda de um poço e pela companhia de mãos calejadas de quem não tem medo de trabalhar plantando, colhendo e lutando por uma terra que já lhes pertence.

Não pude ficar para colher as hortaliças e preparar os temperos, mas no dia seguinte fui à feira abraçar minha já amiga Neuzelia, comprar seus produtos e me surpreender com as pessoas que encontrei junto a ela: seu pai e sua filha, três gerações de uma mesma família buscando de forma digna sobreviver em um mundo tão injusto.

Foi na Comunidade Quilombola Paraguai que abracei e me senti abraçada, que me identifiquei com a educação feita de forma tão genuíno e, principalmente com a certeza de que “a luta é todo dia.”

 

Socorro Lacerda de Lacerda

 

 

Um comentário em “Comunidade Quilombola Paraguai

  1. Este projeto Conta Lá Que Eu Conto Cá, esteve em Palmopolis na Escola Municipal Cecília Meireles, na escola que sou coordenadora escolar no Primeiro Turno. Onde Socorro e seu esposo Lucio esteve contando histórias para os aluno. Foi muito proveitoso e de grande importância para nós educadores, nos mostrando que nós não estamos sozinhos nesta luta pela educação de qualidade. Vivendo e amando esta profissão de “Professor” , tão desvalorizada no Brasil. Ter a presença suas aqui foi muito bom, onde os alunos participaram com grande entusiasmo da Contacao de Histórias.

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