Borda da Mata, uma agradável surpresa

A cidade de Borda da Mata é pequena, acolhedora e muito bonita. Sua praça principal, localizada em frente à Basílica de Nossa Senhora do Carmo é um convite irrecusável para um passeio no fim da tarde, quando a maioria das casas comerciais vai fechando e as pessoas, sem pressa, vão buscando outros afazeres.

Borda da Mata atravessou o caminho do nosso projeto de contação de histórias “Conte lá que eu conto cá”, a partir de um fenômeno que estamos enfrentando em todo o Brasil, que é a diminuição do número de escolas rurais.

Com um projeto pensado prioritariamente para a zona rural, nosso contato com as Secretarias de Educação de alguns municípios do Sul do estado de Minas Gerais, onde faríamos a segunda etapa do projeto, foi nos revelando o quanto as escolas rurais estão ficando cada vez mais raras. Conversando com aluno/as e professora/es, percebemos que duas questões fundamentais colaboram para isso. Primeiro, porque, economicamente, fica mais viável trazer o/as estudantes para escolas na cidade, ao invés de enviar um/a professor/a para a escola rural. Segundo, pela questão do êxodo, que faz com que a zona rural fique cada vez mais desabitada. Penso que, desde que todas as crianças e adolescentes tenham acesso à escola, resolve-se o problema da professora que precisa trabalhar com turmas multisseriadas, como vimos em escolas que visitamos em viagens anteriores.

A grande maioria dos municípios com os quais entramos em contato no Sul de Minas Gerais, oferecendo nossa visita e que não tinham escola rural, nos respondia lamentando muito por isso. Porém, o retorno do convite que fizemos à cidade de Borda da Mata, não veio apenas acompanhado de lamentação, veio também com um insistente convite para contarmos histórias nas escolas urbanas. Isso nos fez repensar a importância de irmos onde as crianças estão e onde somos bem-vindos.

No primeiro dia de nossa visita à Borda da Mata (22/11/2018), fomos à Escola do Bairro Santa Cruz. Uma escola pequena e acolhedora que nos recebeu com bastante carinho e entusiasmo. Por ser final de ano letivo, aluno/as e professore/as estavam muito atarefados: avaliações, trabalhos finais, organização de material etc. Entretanto, nenhum desses afazeres foi motivo para desânimo ou reclamação de falta de tempo. A escola parou tudo o que estava fazendo e todos os que estavam trabalhando ou estudando foram ao pátio ouvir nossas histórias.

A escola conta com um pátio e, localizado em um dos cantos, fica um pequeno palco onde organizamos nossos materiais e fizemos o nosso trabalho. Com atenção, respeito e curiosidade, alunos e alunas ouviram, participaram e depois brincaram com os objetos que havíamos usado para contar as histórias. Como se todo esse entusiasmo e contentamento não bastassem, ainda conhecemos um aluno, Otávio, um verdadeiro contador de histórias que nos presenteou contando uma de sua autoria. Um presente lindo que nos fez vibrar com esse encontro e nos animar para os próximos.

Na tarde do mesmo dia, fomos à mais uma: Escola Nossa Senhora de Fátima. Aqui os/as estudantes são da pré-escola e maternal, bem menores que os da escola anterior. Outro jeito de ouvir e falar, encantamento nos olhos e inquietação pelo desejo de compartilhar com o colega ao lado aquilo que está ouvindo e observando. É como se não dessem conta sozinhos de tanta informação nova e admiração pelo que viam: roupas coloridas, panôs, chocalhos e pau de chuva iam despertando em cada um deles o desejo de falar e mostrar que estavam ali, atentos querendo ser muito mais do que simples ouvintes. Foi uma festa! Adoramos!

O dia seguinte (23/11/2018) foi desafiador em vários sentidos. Primeiro, por ser uma escola muito maior – Escola Professora Diva Ribeiro dos Santos, no bairro Santa Rita – e com alunos de uma faixa etária maior do que a que costumamos trabalhar. Segundo, por precisarmos fazer quatro sessões no mesmo dia para garantirmos que todos os/as alunos/as ouvissem nossas histórias. O projeto “Conte lá que eu Conto cá” tem trabalhado com grupos menores de alunos/as, em escolas pequenas, onde podemos estender nossa colcha de retalhos, sentarmos no chão e próximo ao público ir fazendo do momento de contação de histórias também momento de troca de experiências, expressões, afetos, descobertas e inquietudes provocadas pelos momentos ali vivenciados. Em Borda da Mata estávamos rompendo com tudo isso: escolas urbanas, faixa etária diferente, mais de uma contação na mesma escola etc.

Nossa chegada à escola já nos causou impacto pelo seu tamanho, é enorme. Alunos e alunas no pátio, conversas animadas, curiosidade por saber quem éramos e uma simpática recepção da coordenação, professoras, professores e funcionários da escola. A toda hora perguntavam se estávamos precisando de alguma coisa, se estava tudo bem, se os horários combinados seriam cumpridos. Fomos ficando à vontade e organizamos nossos materiais tranquilamente, como sempre fazemos e como aconteceu também nas escolas do dia anterior.

Pela manhã fizemos duas sessões de contação de histórias em um ambiente muito agradável, um pequeno teatro que deu para acomodar cerca de oitenta crianças por sessão. Fiquei pensando como seria importante que todas as escolas tivessem um espaço assim: cadeiras confortáveis, um palco elevado, espaço adequado entre as cadeiras, projetor multimídia e tela branca para projeção. Sem dúvida as apresentações de teatro, cinema, dramatizações, seminários etc, produzidas pelos/as alunos ou professores/as quando apresentados em um espaço adequado, valorizam o trabalho e todos os que nele se envolveram se sentem também mais valorizados, além de trabalhar a autoestima e cuidado com a forma como se colocam diante dos outros. Parabéns por pensarem nisso!

As turmas do período vespertino foram excelentes ouvintes, participaram das histórias, aplaudiram ou silenciaram quando assim se sentiram à vontade. E, para minha alegria, quando terminei de contar as histórias que havia planejado, pediram para eu contar mais! Pensei: Eles realmente estão gostando!

Com a turma do período matutino não foi menos empolgante. Houve uma grande empatia entre contadora e as pessoas que assistiam. As crianças ouviram atentas e as professoras até ajudaram a contar as histórias que já conheciam, incentivando os alunos e alunas a participarem também.

Quando perguntei se alguma criança queria contar uma história, veio um menino que pegou o microfone e começou a falar algo que visivelmente estava inventando naquele momento. Enquanto falava buscava os objetos que eu havia usado anteriormente e procurava encaixá-los em sua narrativa. Meio confuso, meio deslumbrado e ainda um pouco desconsertado com a novidade, o aluno não se intimidou diante do que fora proposto: contar uma história. Não era isso que ele estava fazendo?

Ao sairmos da escola, cheios de contentamento e alegria, encontramos um jovem senhor que estava jogando farelos de milho enquanto canários vinham comê-los com suas bicadas rápidas e precisas. Como sair rapidamente daquele lugar diante de uma cena dessas? Ficamos ali, olhando aquela pintura e torcendo para que cada vez mais canários aparecessem. Suas cores, seus cantos, sua agilidade em bicar, em voar, em se equilibrar em galhos que balançavam vigorosamente apenas com seu peso. Que maravilha!

Borda da Mata nos deixou encantados com tanta gente bacana, disposta, cordial, simpática, generosa e amiga. Desconfio que os “canários” foram encomendados para, de outra forma, nos fazer felizes.
Vocês conseguiram! Obrigada!

Socorro Lacerda de Lacerda
Lucio Lacerda

2 comentários On Borda da Mata, uma agradável surpresa

  • Parabéns. Lindo esse seu trabalho. Que Deus lhe abençoe e recompense por essa entrega. Que muitas coisas boas você possa ver e contar.

  • Coquita e Lucio , cada dia me encanto mais e mais com seus relatos , sinto como se estivesse vendo as crianças ouvindo suas histórias. Parabéns pela coragem , disposição, criatividade e persistência ! 😘😍😍😍😍

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