O portão que acessamos para adentrar à escola nos leva diretamente a duas construções encantadoras: o pequeno prédio com um pátio coberto logo em frente e, à esquerda de quem entra, uma singela construção que me pareceu recém pintada de branco, com uma árvore colorida estampada na parede central que, ao invés de dar frutos, dá livros. Não será um livro também uma espécie de fruto? Trata-se da Biblioteca Cultural Comunitária. Que maravilha!
Impossível não querer conhecer mais de perto: entrar, manusear e escolher um dos livros expostos, se sentar em uma de suas almofadas para ler e viajar no sonho de que cada escola urbana ou rural, pequena ou grande, deveria ter. Um espaço encantador e convidativo.
A importância de um espaço de leitura bonito, bem cuidado e com acervo suficiente para estudantes e educadores terem contato com a literatura para além da sala de aula é fundamental para se estabelecer um ensino-aprendizagem que garanta ampliar o conhecimento para além dos conteúdos exigidos por currículos muitas vezes externos à realidade do território em que a escola pertence. Certamente, os livros e todas as diversas formas em que a leitura se faz possível, proporcionam textos e contextos diversos, expostos, vividos ou imaginados que muito ajudarão na criatividade e apropriação de uma leitura de mundo mais coerente e necessária. Meu encontro com a Biblioteca Cultural Comunitária da EMEIEF João Gonçalves dos Santos me fez olhar para todos os outros espaços por onde caminhei na Unidade Escolar de outra forma, com outros olhos, com todo o respeito que uma criança e um livro merecem. Me senti na obrigação de fazer ainda melhor o que havia ido fazer ali: contar histórias que talvez já conhecessem, porém de um outro jeito, que levassem os estudantes a compreenderem que o livro e o leitor se permitem ser diferentes a cada experiência de contato um com o outro.
Olhos curiosos me acompanharam durante toda a contação, sabiam quando ouvir e quando perguntar, quando manusear os brinquedos e quando tateá-los para compreender seu funcionamento. Porém, o que mais me chamou a atenção foi, na hora do intervalo, quando algumas crianças pegaram as bonecas de pano e foram brincar em um banco fora do pátio onde estava sendo servido o lanche.
Observei de longe e só me aproximei quando já haviam se organizado para a brincadeira. Cada uma das meninas estava com uma boneca nas mãos e, com voz de personagens imaginários conversavam umas com as outras. Era boneca virando gente, num faz de conta raro para os tempos atuais onde telas iluminadas expõem conteúdos que são consumidos rapidamente. Enquanto umas crianças estavam com bonecas, outras cantavam embaladas por instrumentos sonoros que acabaram de encontrar e alguns, de conhecer. A brincadeira vira uma festa e uma das meninas tem uma genial ideia para receber os convidados: pega folhas de um arbusto que está próximo ao banco, tritura com suas delicadas mãos e as transforma em um saboroso bolo que serve aos visitantes com sorvete, também feito por pequenas folhas moídas na palma da mão. Elas não se intimidam com a minha presença e me oferecem a iguaria, finjo saborear, elas riem e continuam brincando, ora falando entonando as vozes de modo diferente das suas, ora correndo entre um lugar e outro para “passeios” acompanhados pelas bonecas que agora fazem parte de uma família imaginária e harmoniosa.
Ter visto e participado daquela festa com crianças tão especiais, carinhosas, criativas e curiosas me deu ainda mais a certeza de que, com espaços educativos adequados e profissionais competentes, engajados e valorizados é possível promover educação pública, gratuita e de qualidade para todos e todas. Como é nosso direito, como nós educadores/as e estudantes merecemos e como o mundo necessita.
Poder ser criança em um mundo do faz de conta é se permitir viver em um lugar onde sonhos, desejos e necessidades se presentificam. Onde o medo de se ser o que se é e o que se deseja ser convivem sem conflitos e sem censura. Quem sabe essas crianças, ao tornarem-se adultas e adultos, não se sintam encorajado/as a lutar para que esse lugar exista de fato e nossa sociedade seja menos injusta e desigual.
Deste dia, tão distante daqueles em que fui criança no mundo do faz de conta – onde criava e recriava minhas próprias narrativas, transformando objetos aleatórios em utensílios que só existiam muito distante de onde eu realmente vivia – voltei revigorada e animada a explorar minha inventividade para levar adiante outros enredos, para que crianças dali e de outros lugares se embrenhem mais na fantasia e na necessidade de serem apenas crianças, assim como nós que já não somos cronologicamente, nos permitamos ser e viver como bem diz Gonzaguinha: “sem medo de ser feliz”.
Socorro Lacerda de Lacerda
Era uma vez um sonho de encantar crianças pelo Brasil afora . Seu trabalho é belíssimo e dinâmico. Tenha certeza ,Socorro Lacerda ,cada sementinha plantada gerará bons frutos. Parabéns!
Sempre me emociono com seus comentários e com sua gentileza. É um prazer ser sua amiga.
Um abraço!
Encantada com essa narrativa poética. Senti uma enorme esperança de que ainda teremos adultos criativos, felizes e sensíveis.
Que essas crianças continuem vivendo a infância como ela realmente deveria ser vivida por todas as crianças.
Olá minha amiga!
Obrigada pelo apoio e pelo carinho. Você me inspira.
Um abraço saudoso!
Emocionante o relato, realmente alimenta a nossa esperança no futuro. Linda critica, muito clara e necessária, a crise de valores que segue distorcendo nossos conceitos de desenvolvimento. Projeto apaixonante!!!
Obrigada, querido Caique! É bom saber que você lê o blog e que ele o alimenta no esperançar. 😘
Um beijo carinhoso!
Querida Socorro,
Em nome de toda a comunidade escolar do bairro São Sebastião, agradeço imensamente pelo belíssimo relato sobre nossa escola. Suas palavras transmitiram sensibilidade e olhar atento, valorizando cada detalhe de nossa história e de nosso trabalho diário. Como diretora, fiquei verdadeiramente encantada com sua visita e com a forma generosa como registrou tudo.
Receber alguém com sua delicadeza e talento foi um privilégio para nós. Suas palavras nos inspiram a continuar acreditando na educação como caminho de transformação.
Com gratidão e admiração,
Aline
Sua espontaneidade, seu olhar atento, sua presença marcante, sua dedicação e a forma encantadora de contar histórias deixam marcas na vida de todos por onde passa. Tenho orgulho de ser representada, na minha profissão, por uma professora como você.