Sou só inspetora de alunos!

Estava com sede! A garrafinha que costumo levar comigo estava vazia e não consegui localizar o bebedouro da escola.  Saí do salão anexo à escola, ondo eu estava, e me deparei com uma mulher simpática que me atendeu prontamente. Pergunto, sorrindo, para retribuir o seu sorriso:

– Você é professora?

Ela se voltou ainda mais para mim, carregando algumas coisas, que me pareceram objetos de jardinagem, e respondeu:

– Não! Sou só inspetora de alunos!

Cheguei mais perto dela e tentei estabelecer um diálogo, embora percebesse que ela estava com um pouco de pressa.

– Só inspetora de alunos? Você É inspetora de alunos! Falei dando ênfase a cada palavra, uma educadora que estabelece contato cotidiano e verdadeiro com os estudantes. Isso não é pouca coisa.

– Ela sorriu sem jeito, mas concordou que a relação entre ela e os estudantes acontece no decorrer de todo tempo em que estão na escola. Naquele momento mesmo, estava em parceria com uma professora plantando e cuidando de uma horta como parte de um projeto desenvolvido na escola.

Uma escola organizada hierarquicamente, de forma vertical, está arraigada no imaginário da sociedade e de alguns funcionários. Não é raro encontramos funcionários que, por não estarem no topo dessa organização, se sentem diminuídos ou desvalorizados. Isso acontece mesmo em espaços escolares que já trabalham com uma concepção democrática, numa perspectiva mais horizontal em sua organização, discutindo acerca da tomada de decisões (como fizemos para alterar o horário da aula numa parceria entre Naiane e Leandro, ou ainda, quando organizamos a contação de histórias em tempos e horários diferentes daqueles que já estavam agendados, para que lanches e aulas fossem respeitados em sua rotina, tudo isso conversado entre direção, através da Renata, e demais funcionários). Ainda assim, leva um tempo para que a mentalidade de uma hierarquização rígida e impenetrável se dê. Isso silencia algumas falas em reuniões ou seminários, mesmo quando todos e todas, independente de suas funções, estão autorizadas a falar.

Pelo que vivi enquanto estava na EMEIEF Joaquim Ribeiro de Almeida, ocupando seus espaços, circulando por suas instalações, conversando com funcionários e estudantes, o que não falta são espaços democráticos e posturas plurais. Porém, Dagmar ainda não se deu conta de que ser inspetora de alunos e alunas, merendeira, auxiliar de limpeza, vigia e tantos outros cargos que compõem o quadro de funcionários da escola são tão importantes e fundamentais quanto à direção, coordenação ou o/a professor/a. Todas habitam o mesmo espaço e trabalham pelos mesmos objetivos: ensinar, educar, letrar, conviver, socializar, planejar, compartilhar, plantar e colher o resultado dessa semeadura.

A forma como Lucio e eu fomos recebidos, a conversa franca para os combinados, a ajuda para organizarmos o espaço onde ficaríamos, o sorriso no rosto de cada pessoa que encontrávamos, criança ou adulto, o café oferecido, a conversa compartilhada, a frequente preocupação em saber se estava tudo bem ou se precisávamos de alguma coisa, os estudantes nos seguindo para ouvir o barulhinho que fazíamos, entre tantos outros detalhes, carregados de intensidade, nos fizeram sentir à vontade no decorrer de toda a manhã, revelando as parcerias ali estabelecidas.

Só falta Dagmar se reconhecer importante, como ela realmente é, e deixar de “ser só” para “ser”, assim como também devem agir todas as pessoas em outros lugares e situações que, como partes de um coletivo, não se sentem coletivo. Vocês estão em uma escola por excelência para continuar mostrando que educação se faz quando todos que estão envolvidos nesse processo se sentem e agem como educadores e educadoras.

Que continuem exemplo de boniteza, carinho, respeito e solidariedade com os que já estão aí e com os que chegam ou passam, como nós, que, no pouco tempo que ficamos, nos contaminamos com tantos sentimentos bons e saímos impregnados de esperança.

Socorro Lacerda de Lacerda

Um comentário em “Sou só inspetora de alunos!

  1. Minha querida Socorro. Uma delícia ler sua escrita e saber da Dagmar. Concordo plenamente contigo: somos todos educadores em um escola, de igual tamanho, de importância parecida. Ensinamos o tempo todo através das palavras, dos olhares, dos gestos, do comportamento, do que se diz e do que não se diz, do que escrevemos e do lemos e ouvimos. Educação é ato político corajoso que se dá nas relações horizontais dentro da escola. Mais ou menos parecido com os “combinados” estabelecidos. Podemos combinar que somos todos educadores e espaço escolar e viver isso. Como sua peregrinação de contadora de histórias, levando, vivendo e ensinando a sabedoria das emoções. Beijos pra vc e Lúcio.

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